Livro reúne a poética de uma vida
“Luzes de Outono” reúne, num único volume, toda a obra poética de Maurício Arruda Mendonça
PUBLICAÇÃO
sábado, 02 de outubro de 2021
“Luzes de Outono” reúne, num único volume, toda a obra poética de Maurício Arruda Mendonça
Marcos Losnak
“Olha / velocidade é uma fissura da juventude / solidão é um método maluco / de saber quem está dentro de você / quando a cidade inteira te odeia / mas entre almas de jeans / você segue // olha / nada na neblina / além de borboletas transando / estátuas se mexendo / pessoas que se esqueceram de sorrir / e você vai se matando / de tanto dizer sim”.
Estes versos de Maurício Arruda Mendonça podem ser considerados um clássico da literatura londrinense. Escritos 30 anos atrás representam a atmosfera lírica da cidade capturada pela percepção de encantamento.
Poeta, dramaturgo e tradutor, Maurício Arruda Mendonça está lançando pela editora Kotter “Luzes de Outono – Poesia Reunida (1983 – 2020)”, volume que reúne toda sua produção poética.
Além dos livros esgotados “Eu Caminhava Assim Tão Distraído” (1997), “Epigrafias” (2002) e “A Sombra de um Sorriso" (2003), o volume traz poemas inéditos escritos entre 2010 e 2020. Também traz poemas inéditos escritos na juventude entre 1983 e 1988.
“Luzes de Outono” pode ser descrito como um panorama completo da “vida poética” do dramaturgo e tradutor londrinense nascido em 1964. Tudo reunido num único livro. Algo como as tardes que latejam na memória das casas enquanto o entardecer não cabe dentro do peito.
A seguir, Maurício Mendonça, que prepara para 2022 um volume com traduções da poesia clássica chinesa, fala sobre seu novo livro.
“Luzes de Outono” pode ser considerado um panorama de sua vida poética?
Sim, pois reuni desde meus primeiros poemas escritos na década de 1980 até o ano de 2020. Então é também um percurso do que se aprendeu e se praticou na difícil arte da poesia. Também um balanço e um marco para o que irei escrever daqui para frente.
E como você descreve esse percurso?
Comecei como leitor de poesia e prosa. Escrevia desde os 10 anos, mas a partir de 18 anos a leitura e escrita tornaram-se algo relevante para mim, depois da música, que sempre foi a minha primeira arte. Mas segui com a poesia. Passei por leituras variadas, com ênfase em clássicos, a tradução veio nessa época inicial também. Meu percurso artístico é o da minha própria existência, de minhas questões e do que sinto que seja a experiência do vivido. No plano estético comecei com poemas de verso um pouco mais extenso, inspirados em certos poemas que eu gostava. Com o passar do tempo minhas reflexões também foram ganhando espaço a ponto de me expressar em aforismos. Creio que fui ficando mais conciso e tratando cada vez mais de minhas impressões sobre a vida, com ênfase lírica e algum humor.
Além de trazer seus livros esgotados, o volume traz poemas inéditos, parte deles da época de sua formação quando jovem. O que levou você a resgatar esses poemas?
Foi porque numa reunião de toda a produção era necessário colocar de onde parti, como me formei nesse começo. Achei que eram poemas que tinham uma qualidade artística e inventiva interessante e que, por vezes, me vêm à cabeça. E também é um registro de como eu fui e que me constituem hoje.
É possível vislumbrar elementos da cidade nos versos de “Luzes de Outono”. O que há de Londrina em sua poesia?
Isso é uma coisa que é inerente ao lugar onde estou, da natureza e do clima onde estou e conheço. Mas não é nada deliberado e sim espontâneo, há poemas sobre outros lugares no livro. Na realidade eu sou muito sensível ao clima dos lugares, elementos da natureza, e isso acho que fica registrado.
O clima seria algo como a alma do lugar?
Não. Acho que é mais um complexo de estímulos, uma atmosfera às vezes imprecisa, que tem algum potencial para detonar sensações, memórias e visões até mesmo metafísicas em nós. Também é uma questão relacionada com a perda, do caráter fluído de tudo o que existe, e que de certa forma me ‘pede’ para decifrar, o que me faz escrever sobre isso, até de maneira repetitiva.
Uma das características de sua poesia está na sobreposição de imagens, percepções e sensações. O que você busca com esta sobreposição?
Para ser franco e não reflito sobre isso, sobre a forma como o poema será. Meu processo de escrita é intuitivo e sem pretensão. Acho que isso que você nota fica claro no que eu disse antes, sou quase misticamente sensível aos espaços, aos climas, às construções. E isso se reflete no poema. Talvez sejam mais a sensações que determinem a forma, do que algo previamente pensado. Evidente que há poemas mais reflexivos, mas essa é também uma característica pessoal que transparece, de desenvolver uma ideia poeticamente.
No começo da entrevista você nomeou a poesia como “difícil arte”. Por que você considera a poesia uma arte difícil?
Porque ela tem uma exigência maior de concentração e de doação. Ele solicita uma apreensão da realidade em termos visuais, verbais e sonoros. Além disso, precisa expressar ideias. E ideias que tenham força para causar impacto emocional no leitor. Uma pessoa que lê um poema não pode concluir sua leitura sem uma impressão de uma revelação. Por isso é que são raros os grandes poemas. E isso mostra o nível de exigência perceptiva e de potência artística que precisamos investir para escrever e viver a poesia.
Serviço:
“Luzes de Outono – Poesia Reunida (1983 – 2020)”
Autor – Maurício Arruda Mendonça
Editora – Kotter
Páginas – 200
Quanto – R$ 44,70 (papel) e R$ 22,35 (e-book)
FRAGMENTO
Lenta longa travessia
Lenta longa travessia
ventania de pólen ardendo os olhos.
Mas isso é uma justificativa poética vulgar,
tentar disfarçar que as coisas não vão bem,
nada bem,
e é preocupante negar os fatos,
manter a mente lúcida,
pra não sair gritando.
Impermeáveis ao pavor,
sem solução nem soluço,
quem sabe,
nem éramos mais aquilo
quando dobramos a esquina.
Outras vidas vibram de repente,
assim, um salto do acaso.
Enquanto isso,
atravessamos insones.
Lenta longa travessia
pelo vendaval de poeira.
(Poema inédito de 2020 que integra o livro “Luzes de Outono” de Maurício Arruda Mendonça)