Revendo minhas escrituras de 2022, encontro filmes interessantes (não tantos quanto gostaria) e várias opiniões, entre ansiosas e conflitantes, sobre “o estado atual da indústria cinematográfica”. A maioria girava em torno de uma questão: as pessoas voltarão aos cinemas após a pandemia ou o futuro pertencerá ao streaming ?

O sucesso esmagador (leia-se bilionário) de “Top Gun: Maverick” no primeiro semestre e “Black Panther: Wakanda Forever” em novembro não ofereceu uma resposta clara. Nem a proliferação de filmes que evocam a emoção e a glória do cinema do passado.

A nostalgia do cinema tornou-se um gênero em si.

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As ternas elegias ao celulóide de 2021, “Belfast” e “È Stata la Mano di Dio”, foram seguidas neste ano por “Os Fabelmans”, a reflexão de Steven Spielberg sobre sua própria juventude cinéfila; “Império da Luz”, de Sam Mendes, que se passa em um cinema antigo à beira-mar no início dos anos 1980, no Reino Unido; e “Babilonia”, um sonho febril de Hollywood dirigido por Damien “La la Land” Chazelle.

Não raro o sentimentalismo e a autoconsciência são sinais de decadência. Se você pretende comemorar as glórias de uma arte sitiada, pode acabar contribuindo para seu obituário. Não que eu ache que os filmes estão em risco de extinção ou, bem, não mais

do que estiveram nos últimos quase 100 anos anos ou mais, já que foram ameaçados pelo advento do som, pela televisão, pela ganância, por aqueles que subestiman ou despreezam a arte, a inteligencia, o belo, a inteligencia, a espiritualidade.

Os filmes estão em constante transformação, mesmo que arrastem sua história atrás de si. Estilos antigos persistem ao lado de novas possibilidades, e a originalidade encontra uma maneira de se fazer sentir em meio à ensurdecedora e burra conformidade das franquias e à pura selvageria dos algoritmos.

Como qualquer outra expressão artística, o cinema avança por meio da crítica, e não me refiro às avaliações posteriores de profissionais como eu, mas à revisão cética que os cineastas aplicam às condições e tradições de sua própria prática criativa. Já faz um bom tempo que deixei de lado aquela relação de “melhores do ano”.

Por uma série de razões, ela não faz mais sentido, diante de um universo de circunstâncias sempre mutantes. Mas por questão de método, digamos, analítico, cito pelo apenas um, não o primeiro, não o último de uma lista que, repito, para mim deixou de existir. Um filme, um dos bons do calendário de 22, um metafilme: “Não! Não Olhe !” , Jordan Peele. O filme acentua o negativo em seu título e assume posições duras contra clichês claros sobre a magia do cinema e o poder da imaginação. Ele me lembrou que a magia é sempre fruto de trabalho árduo e nada glamoroso, e que poder nunca é sinônimo de inocência.

E se há uma coisa que poderia unir os filmes dissidentes que eu colocaria em minha lista (que, reafirmo mais uma vez, não materializei e, portanto, não tornei pública), variando de um drama de época francês sobre fake news a uma ficção científica musical afrofuturista – é exatamente esse espírito crítico. Eles, filmes, parecem questionar não apenas os aspectos da experiência humana que representam, mas também seus próprios métodos e suposições. São verdadeiras imagens em movimento, pensando alto no escuro. E isso me basta.

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