Dano ao patrimônio público em Londrina e discussão sobre coletividade
Em poucos dias foram pelo menos dois casos de destruição de bens com valor histórico e sentimental; para professor, falta noção de sociedade
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sexta-feira, 13 de novembro de 2020
Em poucos dias foram pelo menos dois casos de destruição de bens com valor histórico e sentimental; para professor, falta noção de sociedade
Laís Taine - Grupo Folha
Em menos de uma semana, as regiões Norte e Norte Pioneiro do Paraná tiveram que lidar com as notícias de dano ao patrimônio público. Alguns, de valores inestimáveis, carregavam a memória dos paranaenses. No entanto, casos de depredação de bens coletivos são frequentes nos meios urbanos. Especialistas comentam sobre comportamento e coletividade.
No último sábado (7), a Ponte Pênsil Alves Lima, que liga as cidades de Ribeirão Claro (Norte Pioneiro) e Chavantes, em São Paulo, foi destruída por um incêndio que a polícia suspeita ter sido criminoso. A estrutura de madeira foi inaugurada em 1920 e é tombada pelo Patrimônio Histórico do Paraná e de São Paulo.
Na terça-feira (10), réplicas das cabines inglesas de Londrina foram retiradas após a empresa responsável relatar deterioração por atos de vandalismo. As cabines têm valor afetivo para os londrinenses e estampam fotografias dos turistas. No dia seguinte, administradores do Museu Histórico da Imigração e Colonização Japonesa do Paraná relatou o furto da "Estátua dos Imigrantes", em Rolândia (Região Metropolitana de Londrina). A escultura de bronze foi colocada em 1978 e visitada por diversos membros da família imperial do Japão.
Apesar de a destruição de bens públicos serem frequentes, nessas três situações há o agravante do descaso com o que as estruturas representavam para a sociedade. Enquanto uns ainda lamentavam a perda de uma estrutura de valor histórico, outros destruíam o patrimônio em outra região.
Para o professor de filosofia e ética da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), Lino Batista de Oliveira, a diferença de sentimento perante esses bens está relacionada à noção de coletividade e que os comportamentos são avaliados (como bons ou maus) seguindo valores estabelecidos. “O objetivo é justamente buscar o máximo possível a boa convivência, onde eu tenha a minha liberdade como indivíduo respeitada e que essa liberdade tem certo limite, que é a vivência em coletividade”, explica.
SEM JUSTIFICATIVA
O major Nelson Villa Junior, comandante do 5° BPM (Batalhão de Polícia Militar de Londrina), conta que quando o policial é chamado pelo 190 ou faz o flagrante da depredação durante o patrulhamento os indivíduos justificam. “Quando existe furto de fios, por exemplo, eles alegam que são usuários de droga, que pegam os fios para repassar para alguém e não falam quem é o receptador. As pessoas que depredam por depredar geralmente não têm justificativa, nem eles sabem por que fizeram isso”, menciona.
De acordo com o professor de filosofia, uma pessoa só pode ser acusada de imoral quando tem a consciência do que está fazendo. “É preciso que a própria sociedade tenha me ensinado que aquilo tem um valor, senão para mim é só mais uma estátua. Como não tem certo valor, meu grau de respeito fica completamente diminuído”, comenta. Por isso, defende a educação como um dos caminhos para essa compreensão.
Outro ponto é a falta de noção de sociabilidade. “Em um mundo voltado para o individualismo como o nosso, falta noção de sociedade, de entender que aquele monumento não é uma coisa privada, não é uma coisa minha, é algo que diz respeito à sociedade”, acrescenta.
CULTURA INDIVIDUALISTA
Ponto concordante entre a psicóloga e analista junguiana Sônia Lunardon Vaz. “Nós temos uma cultura muito mais individualista do que coletiva, o que é uma pena. Muitas vezes as pessoas estacionam e pegam duas vagas, pega a cabine do telefone público e acaba com ela, afinal de contas, essa pessoa não tem percepção coletiva de que alguém vai precisar desse telefone”, argumenta. “O medo de parecer trouxa pegando um lixo que o outro jogou na rua está nos deixando individualista”, acrescenta.
Apesar de defender que a consciência coletiva pode e deve ser aprendida na família, na escola e no dia a dia, ela destaca o ambiente externo não é o único responsável pelo comportamento dessas pessoas. Caso assim fosse, irmãos gêmeos, que convivem na mesma família e estudam na mesma escola, vivem na mesma casa e bairro, não teriam comportamentos diferentes.
No caso de pessoas que praticam ações contra a sociedade, menciona que é preciso ir mais afundo para compreender as questões do indivíduo. “Existe um ambiente interno que propicia isso, existe algo no sujeito que faz com que ele se identifique mais com a destrutividade do que com a construtividade”, afirma.
ÉTICA
Para ela, a violência, a agressividade criminosa ou não, praticada por pessoas que depredam bens públicos é um fenômeno social que extrapola fronteiras, mas que está atrelado a ferimentos psicológicos individuais que são negligenciados. “Nós não estamos nos debruçando para conhecer e dar contingência para isso. Isso está se aprofundando e vai piorar”, aponta. Para ela, é preciso uma política de saúde mental, com psicoterapia na saúde básica.
Para o professor de filosofia, os casos de depredação e dano ao bem público esbarram na questão da vivência em sociedade. “A ética faz o indivíduo refletir do quanto ele tem que abrir mão do seu valor individual para que os valores coletivos sejam respeitados. Isso faz com que a gente encontre uma sociedade do bom conviver.” E a falta do respeito à memória e aos patrimônios históricos é só uma das consequências que o fenômeno social da falta de coletividade representa.