Receber um diagnóstico de câncer de mama não é nada fácil. Além do processo de tratamento a que a paciente é submetida, cerca de 35% das mulheres diagnosticadas precisam realizar a mastectomia, procedimento que remove o tecido mamário completamente. A retirada da mama influencia diretamente na recuperação após a cirurgia, mas também na autoestima e na saúde emocional das mulheres.

Imagem ilustrativa da imagem Professores da UEL desenvolvem prótese para mulher mastectomizada
| Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

No Brasil, desde 2013 existe uma lei (12.802) que dá o direito à mulher que realizou uma mastectomia em uma instituição do SUS (Sistema Único de Saúde) passar por uma cirurgia de reconstrução da mama no mesmo procedimento, quando houver condições técnicas.

Apesar da lei, estima-se que 70% das mulheres não fazem a cirurgia de reconstrução de mama, seja por falta de infraestrutura, número de cirurgiões treinados, risco de infecção ou outras complicações. São nestes casos que entra em cena o uso de próteses externas, fundamentais para a recuperação após a cirurgia.

Foi pensando em melhorar a qualidade de vida das mulheres mastectomizadas que pesquisadores da UEL (Universidade Estadual de Londrina), em parceria com uma professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), desenvolveram uma prótese mamária 3D personalizada. A ideia é não somente criar uma prótese, como as que já existem no mercado, mas desenvolver uma estrutura que seja esteticamente compatível com cada mulher e, principalmente, acessível por meio do próprio SUS.

“Nossa responsabilidade é mostrar que é possível fazer, para que não vire uma tecnologia disponível apenas para mulheres londrinenses, mas que chegue no Brasil todo. Não é somente uma questão mecânica, mas estética também. Fazer uma prótese adequada vai melhorar demais a qualidade de vida dessas mulheres”, explica o professor doutor Felipe Arruda Moura, da UEL.

Moura foi orientador da professora mestre Juliane Cristina Leme, do Departamento de Ciências do Esporte da universidade. Durante seu mestrado ela estudou a importância do top esportivo para corredoras e o projeto se propôs analisar a biomecânica do movimento dos seios femininos.

Buscando um novo objeto para o doutorado, eles passaram a pensar sobre as mulheres que sofreram uma mastectomia. E tiveram contato com com a professora Maria Elizete Kunkel, do Instituto de Ciência e Tecnologia da Unifesp, que possui um trabalho voltado para a atuação de mulheres na impressão 3D.

Assim nasceu a parceria que possibilitou o desenvolvimento da prótese personalizada. A parte técnica do projeto de protocolos, modelagem e impressão está sendo desenvolvida pela professora da Unifesp. A impressão da prótese funciona em três etapas. Primeiro é necessário escanear a mama real e a partir deste molde virtual é possível realizar a impressão 3D de um molde físico, onde será despejado o silicone pigmentado próximo a cor da pele da mulher. A terceira e a última fase é o processo de finalização da prótese, com a presença da paciente para os últimos ajustes, como pigmentação extrínseca da prótese, prova e fixação na pele com colas específicas.

Juliane Cristina Leme e Felipe Arruda Moura: processo passa pelo escaneamento, molde virtual,  impressão 3D e finalização da prótese
Juliane Cristina Leme e Felipe Arruda Moura: processo passa pelo escaneamento, molde virtual, impressão 3D e finalização da prótese | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

A pigmentação, assim como o formato do seio, é algo que as próteses convencionais disponíveis não costumam considerar. “Mulheres que não fazem a reconstrução da mama utilizam bastante a prótese externa [cerca de 80%] e 44% das mulheres que utilizam prótese não estão satisfeitas”, destaca a professora Juliane Leme.

O escaneamento da mama real para a criação do molde virtual pode ser feito de duas maneiras: com um aparelho de escâner acoplado a um ipad ou por meio de uma alternativa mais barata encontrada pelos professores da UEL - um projetor de luz e três câmeras fotográficas.

O melhor protótipo desenvolvido até o momento levou cerca de 15 horas para ser impresso. O valor unitário envolvendo todos os custos foi de R$230. “A intenção é diminuir o tempo de impressão e o valor, mas ainda assim, em comparação com próteses feitas por encomenda, o preço está bem abaixo”, explica a doutoranda.

A proposta do projeto é que depois de concluída a fase técnica do método de produção, que também seja possível analisar o seu funcionamento no corpo das mulheres. “Este resultado já é tão importante, se conseguirmos chegar nesta etapa já é uma vitória imensa. Temos a responsabilidade e o desejo de melhorar a vida das mulheres, mulheres pobres, abandonadas pelo nosso sistema e que precisam lidar com isso, além da doença”, pontua o professor.

INCIDÊNCIA DO CÂNCER DE MAMA

O câncer de mama é o mais recorrente em mulheres no mundo todo. Em 2020 estima-se a incidência de aproximadamente 2,3 milhões de novos casos. Este número representa 24,5% dos diagnósticos de câncer em mulheres. Esta também é uma realidade no território nacional.

No Brasil o câncer de mama também é o mais incidente no público feminino, com exceção dos tumores de pele não melanoma. Para o triênio 2020-2022 foram estimados 66.280 novos casos, o equivalente a uma taxa de incidência de 61,61 diagnósticos a cada 100.000 mulheres, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer.

FINANCIAMENTO

O financiamento do projeto da prótese personalizada é realizado por meio do Programa de Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde – PPSUS (cód. SUS2020131000098), da Fundação Araucária. Parceria do Ministério da Saúde com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Secretaria da Saúde do Paraná.

Também atua no projeto a professora Doutora Roberta Targa Stramandinoli Zanicotti, do Serviço de Prótese Facial Reconstrutiva, Centro Hospitalar de Reabilitação, Complexo Hospitalar do Trabalhador, de Curitiba-PR. E o Professor Doutor Rodrigo Martins de Oliveira Spinosa do Departamento de Design da UEL.

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