O saudoso Henfil, gênio do traço de humor no Brasil, dizia que o grande problema dos veículos de comunicação não era o “patrão”, mas sim o “padrão”. Aquele que se mete no noticiário ou impõe elogios aos correligionários não é tão nocivo quanto a moldura que sacrifica a criatividade, o gosto pela verdade, a urgência da subversão. Subversão, aliás – palavra nobre e estilosa, cheia de significados de rebeldia –, é uma palavra que o “padrão” abomina e gostaria de ver expulsa dos dicionários e falatórios cotidianos.

Imagem ilustrativa da imagem Viva a subversão!
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O “padrão” é o tirano da linguagem. Ele grifa os supostos erros de enunciação para alertar que não admite certas expressões. Quem escreve ao computador, por exemplo, valendo-se dos editores de texto mais tradicionais, sabe como é desagradável perceber que o “sistema” (um dos sinônimos para “padrão”) não reconhece as palavras que a curiosidade encontra pela vida. Se Machado de Assis tivesse utilizado uma dessas suítes para escritório – e se indisposto com os corretores ortográficos do “padrão” –, o Brasil e o mundo estariam privados de sua obra monumental. Que a Microsoft não existisse na virada do século 19 para o 20 é sorte para a história das palavras, portanto.

O “padrão” reduz escritores e leitores a seres medianos, vacinados contra a novidade e as expressões mais ousadas das ideias. Graças aos inúmeros filtros e algoritmos de que somos vítimas diariamente, a realidade se apequena diante de nós. Dos mecanismos de busca na internet ao “feed” de notícias que acessamos, tudo é lapidado pelo “padrão”. Até os serviços de “streaming” só sugerem o “padrão” dos grupelhos a que nos associamos livremente. Por causa disso, deixamos de saber que existem filmes e músicas diferentes daquelas que julgamos ser únicas e superiores. No mundo conectado, o totalitarismo é virtual.

Cada indivíduo se parece além da conta com todos os demais. A linguagem se refaz e passa a contar somente com insultos e meia dúzia de lugares-comuns. Quem não compartilha certos dialetos das redes sociais, por exemplo, torna-se pária – um desterrado num mundo já sem chão, cujos cenários são nuvens e os protagonistas, opacos e intolerantes. O suprassumo do “padrão” são as chamadas “bolhas”.

Entre iguais, o totalitarismo virtual avança, impondo condutas e punindo – é claro – os subversivos. (Quem lê um livro de capa a contracapa e se informa por veículos que escapem à lógica dos parcos caracteres das redes sociais é um “maldito”, um ser que tem de desaparecer. Sua influência pode ser desastrosa para as futuras gerações de autômatos.)

No Brasil atual, entre a cruz e as armas de fogo, a mentira também é uma imposição do “padrão”. Para ser ilustrado num universo de elites dirigentes incultas e cruéis, é preciso dizer que concluiu o que não defendeu, que esteve onde jamais pisou, que leu ou escreveu palavras jamais imaginadas. É urgente, pois, plagiar o “padrão”. A imagem de quem entenda de educação é mais importante do que a realidade de quem deva, de fato, representá-la. Daí o simulacro.

icon-aspas “O ‘padrão’ reduz escritores e leitores a seres medianos, vacinados contra a novidade e as expressões mais ousadas das ideias”

Títulos, contudo, verdadeiros ou falsos, não credenciam ninguém. Num governo que fala para bolhas que creem em guerra cultural para instaurar a ditadura do “padrão”, o melhor “patrão” não existe. Henfil diria (numa bela charge): “Fora, Patrão!” e “Fora, Padrão!”.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL – cidadefutura@folhadelondrina.com.br