BRASÍLIA, DF - Tema central das discussões econômicas atuais, o equilíbrio fiscal duradouro foi alçado a condição fundamental para a estabilização da economia brasileira e o desenvolvimento sustentado a longo prazo na exposição de motivos da MP (Medida Provisória) que, há 30 anos, oficializou o Real como a nova moeda do Brasil.

O ajuste das contas públicas, retratado como "o verdadeiro alicerce" para a criação do Real, foi um dos pilares do Programa de Estabilização Econômica — Plano Real, implementado em três fases entre 1993 e 1994.

"Nosso país está mergulhado há muitos anos numa crise econômica crônica cuja raiz é fiscal, mas cuja expressão mais perversa é a inflação", diz o texto, assinado em junho de 1994 por sete ministros do então governo de Itamar Franco (1992-1994).

Naquele mês, a inflação alcançou os patamares recordes de 47,4% ao mês e 4.922% no acumulado em 12 meses.

O lançamento da moeda foi a etapa derradeira do plano concebido pela equipe coordenada por Fernando Henrique Cardoso no período em que ele comandou o Ministério da Fazenda.

Nas duas primeiras fases, o governo criou o Pai (Programa de Ação Imediata), para reduzir e dar maior eficiência aos gastos, e lançou a URV (Unidade Real de Valor), para quebrar a inércia inflacionária que carregava os reajustes passados para os preços no presente e no futuro.

Após seis planos econômicos fracassados, havia a convicção, expressa na exposição de motivos, de que a vitória sobre a inflação não seria artificial ou efêmera.

"A partir de 1º de julho, com a entrada da nova moeda, os brasileiros começarão a sentir os efeitos da queda decisiva da inflação", diz o texto.

"A partir de agora a inflação passará a registrar uma trajetória de queda significativa e duradoura, sem que se tenha lançado mão, como no passado recente, de expedientes artificiosos ou de medidas discricionárias em flagrante desrespeito às regras contratuais."

No mês de julho de 1994, quando o real começou a circular, a inflação desacelerou para 6,84%.

O documento que fundamentou a MP 1.027/1995, convertida na Lei n.º 9.069 do mesmo ano, foi guardado pelo arquivo do Ministério da Fazenda, em Brasília.

A Folha tentou ter acesso a outros registros históricos da época da concepção do Plano Real, mas a pasta disse que a exposição de motivos e os textos das leis são os únicos materiais disponíveis no órgão.

Parte dos registros se perdeu, como o papelzinho azul em que o economista Edmar Bacha esboçou um conjunto de pontos que balizariam as ações do governo —e que foi triturado no dia seguinte para evitar vazamentos à imprensa. Parte é mantida em acervos pessoais daqueles que participaram da elaboração do plano.

Ainda assim, o texto dá uma ideia das condições em que o Real foi criado e dos preceitos seguidos em sua elaboração.

Logo na segunda página, a exposição de motivos cita brevemente a determinação com que o governo estava "resistindo às pressões pela expansão do gasto".

Em outro trecho, o texto cita a necessidade de promover a desindexação da economia brasileira —outra discussão atual.

O diagnóstico era de que o uso disseminado de índices econômicos para corrigir preços e contratos de forma automática contribuiu para a espiral inflacionária que desaguou na hiperinflação no início dos anos 1990.

"Trinta anos de experiência com a correção monetária baseada em índices de preços demonstram cabalmente a necessidade de eliminar-se ou, ao menos, restringir este instituto para se alcançar a estabilidade monetária plena, sem prejuízo das atividades econômicas", diz.

O documento cita ainda a necessidade de dar sequência a reformas no sistema tributário, nas regras do Orçamento, na organização do funcionalismo e na Previdência Social —algumas delas aprovadas quase três décadas depois, como a tributária.

A exposição de motivos ainda destaca a importância da reforma no CMN (Conselho Monetário Nacional), responsável por definir as diretrizes das políticas cambial, monetária e de crédito.

Desde sua criação, em 1964, o CMN havia passado por sucessivas mudanças e chegou a ter entre seus membros representantes do setor privado, além de um número maior de membros do governo.

No texto de 1994, o governo da ocasião argumentou que, além de "distorcer o caráter de instituição pública do Conselho", as mudanças o tornavam "sensível a pressões advindas de outros integrantes do processo de decisão pública", o que nem sempre estava alinhado com a função de defesa da estabilidade da moeda.

A MP consolidou o desenho que está em vigor até hoje, com o CMN formado pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e pelo presidente do Banco Central. O modelo foi alterado apenas no governo Jair Bolsonaro (PL), devido à extinção do Planejamento, mas foi retomado em suas bases originais no atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Com isso, assegura-se a compatibilidade das ações do Conselho com o objetivo de priorizar a gestão monetária e proteger o real das pressões políticas e econômicas que possam pôr em risco a estabilidade do padrão monetário do país", diz o texto ao defender a tríade na composição do CMN.