Era para ser um show e foi. Era para ser um encontro e foi. Um encontro dos grandes, daqueles que entram pelos olhos, ouvidos e os poros do público.

Assistir ao espetáculo “Tetê Espíndola: Sertão Lisérgica – Um olhar de Arrigo Barnabé”, nesta sexta-feira (27), no Teatro Ouro Verde, dentro do projeto circulasons, equivaleu a tomar um banho de cachoeira para lavar a impressão sonora que maceta nossos ouvidos, nos útimos anos, com ritmos repetitivos dos quais não é preciso citar os nomes. Os gêneros empesteados se entregam sozinhos.

Mas foi para lavar a audição e outros sentidos que o público assistiu a "Sertão Lisérgica" que dois artistas gigantes estrearam em Londrina.

O show comemora os 70 anos de Tetê Espíndola. Roteirizado por Arrigo Barnabé, o espetáculo traz a música e o teatro, numa concepção que também comemora os 90 anos de Londrina porque ali se encontram dois sertões: o do Mato Grosso, hoje do Sul, de Tetê, e o norte do Paraná, de Arrigo.

O encontro se dá entre rios e cachoeiras, entre Ibiporã e Ponta Porã, entre o Tigabi e o Pantanal. Retratos lúdicos, memórias de infância, sonoridades de sítios e quintais consagrados numa obra cênico-musical que soa até como luxo aos ouvidos desacostumados à música contemporânea brasileira que entrega sua potência neste show.

Show é também uma homenagem aos 70 de Tetê Espíndola
Show é também uma homenagem aos 70 de Tetê Espíndola | Foto: Rei Santos/ Divulgação

TRAJETÓRIAS

Tudo começou na década de 70, como se sabe, quando Arrigo e Tetê se encontraram e ele viu na cantora, com sua craviola, aquilo que definiu como "sertanejo lisérgico". Sertanejo por causa das origens no meio do mato que deram a Tetê seu canto de pássaros. Lisérgico porque abre os sentidos ouvir quem alcança agudos inimagináveis que põe a gente a pensar: será pessoa ou maga?

Sempre em busca da definição, a plateia entra em contato com uma obra musical que vaza para o teatro e conta com cenografia criada pela cineasta Patrícia Black, filha de Tetê. Um caleidoscópio que vai das mandalas ao sertão das lendas indígenas, um rasgo urgente de espiritualidade. Em alguns momentos, a crítica ao desmatamento, aos incêndios, o horror e advertência dos xamãs apontam para o risco das grandes perdas ambientais do Brasil de hoje. Porque não basta ser lúdico, tem que ser crítico para expressar o antagonismo pela arte.

Os textos que costuram o espetáculo têm origem nos escritos de Barnabé durante a pandemia, um acervo poético que põe o público no grafismo das lesmas e no voo dos pássaros. Imagens sobre imagens que chegam aos olhos, ouvidos e poros, atingem a respiração e os batimentos cardíacos. O espetáculo entrega todas esssas sensações. E não há como escrever sobre poesia sem poesia.

Os textos gravados, na voz de Arrigo e de Tetê, formam a narrativa completada por cenas oníricas, um salto no surrealismo do sertão brasileiro.

Há muito mais a dizer, mas é preciso experimentar, uma vez é pouco, o espetáculo que estreou em Londrina merece muitas idas ao teatro. E o projeto circulasons, produzido por Janete El Haouli, trouxe a estreia como um presente a Londrina, conduzido também pela produção e uma excelente equipe técnica local.

Com Arrigo ao piano, a voz de Tetê e o violão de Gustavo Gorla, a peça traduz a ancestralidade do contemporâneo.

O circulasons tem neste sábado (28) o último show desta edição, com Alzira E e a banda londrinense Caburé Canela, no Teatro Ouro Verde, às 20h. Vai perder? Claro que não. Ainda tem ingressos à venda no

Sympla ou na portaria do Teatro Ouro Verde.

Seguidores da página @circulasons pagam meia entrada na portaria do Teatro. E a noite será linda.