Indo contra a percepção de que a produção de soja no Brasil ocorre apenas em grandes propriedades rurais, uma pesquisa da Embrapa Soja (Centro Nacional de Pesquisa de Soja) revela que 73% dos estabelecimentos produtores do grão têm menos de 50 hectares, podendo ser caracterizados como pequenas propriedades. O documento “Características principais dos estabelecimentos produtores de soja no Brasil segundo estratos de área colhida” foi lançado na 39ª RPS (Reunião de Pesquisa de Soja), realizada nos dias 26 e 27 de junho, em Londrina.

O estudo mostra que, das 236 mil propriedades produtoras de soja no país, quase 197 mil estão na Região Sul - cerca de 83% do total. E, quando se trata dos pequenos produtores, 93% estão localizados nos estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul - 158 mil das 171 mil propriedades com até 50 hectares.

André Steffens Moraes, responsável pela pesquisa: “Você não produz soja se você não tem tecnologia"
André Steffens Moraes, responsável pela pesquisa: “Você não produz soja se você não tem tecnologia" | Foto: Claudio Nonaka/Divulgação

Responsável pelo levantamento, o pesquisador André Steffens Moraes explica que a Região Sul é a segunda maior produtora do grão no país - Paraná e Rio Grande do Sul ficam atrás apenas do Mato Grosso - e concentra um grande número de pequenos agricultores. “Fica meio que um contrassenso: como que eles produzem tanta soja, se são, reconhecidamente, pequenos? Ficamos curiosos e fomos ver como é realmente isso”, diz.

Moraes conta que foram utilizados informações do último Censo Agropecuário (2017) para construir um banco de dados sobre as propriedades que têm lavouras de soja. Os resultados foram surpreendentes por evidenciar a característica da produção no Sul.

No Rio Grande do Sul, 81% das propriedades possuem menos de 50 hectares (77 mil propriedades). No Paraná, 79% dos estabelecimentos produtores de soja são pequenas propriedades (cerca de 65 mil) e, em Santa Catarina, 87% dos estabelecimentos têm menos de 50 hectares (cerca de 15 mil). As regiões Centro-Oeste e Sudeste participam com cerca de 4% do total das pequenas propriedades. No Norte e Nordeste, esse percentual cai para menos de 1%.

A avaliação de Moraes é que aspectos históricos, culturais e até econômicos, com disponibilidade e acesso às linhas de crédito e financiamento, têm influência nessa característica da região.

PARTE IMPORTANTE DA RENDA

Para o chefe-geral da Embrapa Soja, Alexandre Nepomuceno, os números da pesquisa mostram que muitos produtores familiares têm na cultura da soja boa parte da sua renda. É claro que as grandes propriedades ainda respondem pelo maior volume de produção - que chegou à casa das 150 milhões de toneladas na safra 2022/2023 -, mas há a percepção de que essa é uma cultura democrática.

Um aspecto importante citado por Nepomuceno é que, na ocorrência de eventos climáticos extremos, como os ocorridos no Rio Grande do Sul, o pequeno agricultor acaba sofrendo as maiores perdas.

Alexandre Nepomuceno,  chefe-geral da Embrapa Soja, diz que os números da pesquisa mostram que muitos produtores familiares têm na cultura da soja boa parte da sua renda
Alexandre Nepomuceno, chefe-geral da Embrapa Soja, diz que os números da pesquisa mostram que muitos produtores familiares têm na cultura da soja boa parte da sua renda | Foto: Claudio Nonaka/Divulgação

“É difícil para ele se recuperar, muitas vezes ele perde tudo e não tem capital para retornar. Acaba tendo êxodo rural e você pode ter problemas de produção no Brasil”, aponta o chefe-geral, que acredita que o estudo mostra a importância de olhar para o pequeno produtor de soja.

TECNIFICADOS E DIVERSIFICADOS

De acordo com Moraes, outro cuidado da pesquisa foi identificar quais culturas são cultivadas nessas pequenas propriedades. Apesar de o Sul manter a dupla soja e milho, há ocorrência de outros produtos como arroz, feijão e sorgo. Isso evidencia uma diversificação de culturas trabalhadas pelos pequenos agricultores.

Além disso, o pesquisador aponta que esses produtores são altamente tecnificados, dispondo de defensivos agrícolas, assistência técnica, equipamentos e produtos para se trabalhar o solo. É claro que essa é uma exigência básica quando se fala da cultura.

“Você não produz soja se você não tem tecnologia. Não adianta. Mesmo os pequenos, eles estão em um nível acima da média, vamos dizer assim, é um produtor de soja”, acrescenta Moraes.

IMPACTO NO CAMPO

A identificação do perfil do produtor de soja é relevante porque ajuda no direcionamento da assistência técnica, por exemplo. Segundo Moraes, saber onde estão esses agricultores pode contribuir para o desenvolvimento de programas específicos de apoio.

Esse é o papel da pesquisa pública, acredita Nepomuceno, que precisa difundir as melhores soluções para aumentar a produtividade e mitigar as perdas, construindo sistemas produtivos mais resilientes às mudanças climáticas.

Os dados evidenciam que, no Paraná, 22% da produção de soja vem dos pequenos agricultores; em Santa Catarina, 33%; no Rio Grande do Sul, 20%. A conclusão de Moraes é uma só: “Eles são pequenos, mas são produtivos. São pequenos, mas são muitos”.

PIB E MELHORES EMPREGOS

Um levantamento realizado pelo CEPEA/Esalq/USP (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), feito em parceria com a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), mostra que a cadeia da soja e do biodiesel cresceu 21% em 2023. Os dados foram apresentados na palestra de abertura da 39ª RPS (Reunião de Pesquisa de Soja), promovida pela Embrapa Soja nos dias 26 e 27 de junho de 2024.

Nicole Rennó Castro: "Supersafra acaba movimentando diretamente serviços, além de fazer com que a indústria também expanda sua produção
Nicole Rennó Castro: "Supersafra acaba movimentando diretamente serviços, além de fazer com que a indústria também expanda sua produção | Foto: Claudio Nonaka/Divulgação

A cadeia produtiva gerou, em 2022, R$ 525,4 bilhões e, em 2023, R$ 635,9 bilhões, para o Brasil, o que corresponde a 23,2% do PIB do agronegócio e 5,9% do PIB brasileiro.

Para a pesquisadora Nicole Rennó Castro, o crescimento de 21% em 2023 foi um resultado “excepcional” e que tende a acontecer em momentos de supersafra no campo.

“Isso se reflete imediatamente no PIB, até porque essa supersafra acaba movimentando diretamente serviços, além de fazer com que a indústria também expanda sua produção. Fica mais simples para a gente ter aumento da produção de derivados também”, diz Castro, que destaca o desempenho do setor no biênio 2020-2021.

A pesquisadora afirma que não vê sinais de interrupção do crescimento da cadeia e acredita que o aumento do PIB da soja deve ocorrer por meio da industrialização.

Quando o tema é a geração de emprego, a cadeia respondeu por 2,32 milhões de postos de trabalho, cerca de 10% acima do ano anterior. Se por um lado o emprego na agropecuária é, em média, marcado por salários baixos, deixando o trabalhador em situação vulnerável, o perfil da soja é diferente, explica Castro.

SALÁRIOS E QUALIFICAÇÃO

“Realmente são trabalhadores com maior escolaridade. O nível de formalização do emprego, de empregos com carteira assinada, é muito mais alto do que na média da agropecuária, e isso aparece no salário médio, que é o dobro do que a gente vê para a agropecuária”, afirma a pesquisadora. “Então, quando a soja cresce e gera mais empregos, a gente tem que bons empregos estão sendo gerados, comparativamente ao que a gente vê no resto do campo.”

Ou seja, a conclusão da pesquisadora é que o dinamismo da cadeia da soja e do biodiesel teve reflexo no mercado de trabalho, pois o setor já é um importante empregador no Brasil. Entre 2012 e 2023, por exemplo, o total de pessoas trabalhando na cadeia dobrou.

A renda real da cadeia da soja e biodiesel, em 2023, caiu 5,34% frente a 2022, devido ao comportamento de queda nos preços.