Aos 19 anos de idade, a influenciadora e programadora Khadije El Zein, hoje com 27, foi diagnosticada com TEA (Transtorno do Espectro Autista) e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade). Após conviver com os efeitos dos transtornos por longos anos, conseguiu avanços significativos ao descobrir os benefícios dos cães de assistência. Desde 2022, seu companheiro inseparável é o Luffy, um labrador de pelagem escura que veio de Santa Catarina e foi indicado para atender as necessidades da jovem. Nas redes sociais, que já contam com mais de 100 mil seguidores, ela compartilha o dia a dia com o cão.

Inseparável porque uma lei municipal de Londrina, em vigor desde março de 2023, garante a ela o direito de frequentar espaços públicos e privados com seu cão. Mas como a lei restringe o benefício a pessoas com o Transtorno do Espectro Autista, El Zein resolveu encabeçar um movimento para que pessoas com diferentes deficiências, transtornos e doenças possam estar sempre acompanhadas de seus cães de assistência.

A programadora procurou os vereadores Jairo Tamura (União Brasil) e Mara Boca Aberta (Podemos), autores do projeto que criou a Lei N° 13.555, para reivindicar a alteração. Em nota conjunta à FOLHA, os vereadores afirmaram ser de "extrema importância" as sugestões de ampliação da lei para abranger novos grupos que podem se beneficiar dos cães de assistência. “Estaremos analisando um novo projeto para incluir na lei que já foi sancionada para que a gente possa ampliar o uso de cães de assistência em todos os sentidos, o que pode ser útil para a população que precisa e necessita desses cuidados”, afirmaram os vereadores em nota conjunta.

El Zein espera que o Legislativo se sensibilize e que mais pessoas possam tirar proveito da companhia dos animais que recebem treinamento intenso para que possam auxiliar os tutores durante crises epilépticas, depressivas, de ansiedade, síndrome do pânico, assim como ajudam pessoas celíacas, diabéticas, surdas, cegas, entre outros grupos. "São cães treinados especificamente para ajudar uma pessoa com sua deficiência, doença ou transtorno e que realizam tarefas específicas que podem auxiliar essa pessoa”, defende.

O amor pelos animais começou com uma cadela da raça border collie, durante sua estadia durante cinco anos em Foz do Iguaçu. Foi então que ela começou a pesquisar sobre os cães de assistência. El Zein conta que conversou sobre o assunto com o seu psiquiatra, que concordou que ter um cão de assistência poderia contribuir para o quadro de saúde dela.

Como a border collie não havia sido treinada para ser um cão de assistência, ela precisou buscar outro cachorro. Foi então que ela adotou o Luffy, há dois anos. Desde agosto do ano passado, ele passa por treinamento intensivo em Santa Catarina e deve retornar no final do mês de julho.

A programadora enumera os benefícios da convivência. "O cão pode receber treinamento para auxiliar pessoas dentro do espectro autista, assim como pode ser um cão-ouvinte para pessoas surdas, um cão de mobilidade para ajudar pessoas com alguma dificuldade de locomoção ou um cão-guia, que acompanha pessoas cegas, dentre outros", lista.

Além de ampliar o público beneficiado, a programadora também sugere outra alteração, flexibilizando a exigência de que os treinadores sejam regulamentados pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial). Ela aponta que, para ter essa aprovação, os treinadores precisam, necessariamente, já terem treinado cães-guias. "Acho que o treinador deve ser especializado no treinamento de cães de assistência. Poderiam ser cobradas exigências como um número mínimo de horas de curso, por exemplo", sugere.

TREINAMENTO INTENSO

Especializado no treinamento de cães há oito anos em Santa Catarina, João Medeiros, 27, explica que há quatro raças de animais mais indicadas para pessoas com deficiências, transtornos ou doenças que precisam de um cão de assistência, sendo elas: labrador retriever, golden retriever, poodle standard e collie.

Mas não é só a raça que define se um cachorro pode se tornar um cão de assistência. “Existe uma série de avaliações de temperamento e de comportamento que a gente faz com os cães ainda filhotes, assim como com os pais desse filhote, para ver se o temperamento é compatível com a função”, ressalta. “A gente sempre quer um cão confiante, sociável e cooperativo”, afirma. Sobre a idade ideal, a preferência é por iniciar o treinamento o quanto antes, já a partir dos dois meses de vida do animal.

Já o tempo de treino dura entre um ano e meio e dois anos, mas varia conforme o perfil do cachorro e do nível de treinamento que ele vai precisar ter. “Se o cão aprende muito rápido ou se o assistido, [que é] o paciente dono do cachorro, não tem tantas necessidades específicas de habilidades, a gente consegue formar o cão um pouco mais rápido”, aponta.

Durante o treinamento, existem tarefas e habilidades específicas que o cachorro aprende que fazem dele um cão de assistência. “[O treinamento leva em conta] a necessidade do dono e o que o cão pode fazer para melhorar a vida dele, tanto no sentido clínico quanto no sentido social”, afirma, citando como o exemplo a terapia de pressão, que ajuda a controlar os batimentos cardíacos e a frequência respiratória, assim na contenção de crises depressivas, de ansiedade, de síndrome do pânico, entre outras. “Em casos, por exemplo, de crianças autistas que, em crise, fogem ou se perdem, o cão pode ajudar a encontrá-las. O cão pode ser treinado para encontrar medicação e entregar para o próprio dono”, detalha.