Morreu nesta quarta-feira (11), em Curitiba, o jornalista Luiz Geraldo Mazza, aos 93 anos. Ele estava internado no hospital São Lucas, há 60 dias. Considerado uma referência para o jornalismo paranaense, Mazza era colunista de política da Folha de Londrina desde 1970 e comentarista da Rádio CBN Curitiba.

O corpo do jornalista foi sepultado no final da tarde desta quarta-feira, no Cemitério do Complexo Cerimonial de Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. O velório, realizado no bairro São Francisco, em Curitiba, reuniu familiares, amigos e autoridades que prestaram solidariedade aos parentes mais próximos.

Mazza foi casado por 65 anos com Lucy Werneck Mazza, que morreu em 2021. O casal teve quatro filhos: Grace, Liana, Sérgio (falecido) e Christian; seis netos: Gustavo, Leonardo, Fernanda, Diego, Luiz Geraldo e Angela; e sete bisnetos: Lara, Marcelo, Maria Clara, Oliver, Mateu, Milena e Ravi.

Para Luiz Geraldo Mazza Neto, que também é jornalista, amigos, colegas e admiradores terão Mazza para sempre como referência. “Sou meio suspeito para falar, como neto, tendo o mesmo nome e seguindo a mesma profissão. O Mazza deixa um legado de mais de 70 anos de profissão, com muita ética, que ele sempre seguiu, e isso o torna uma referência para as gerações. Ele deixa essa história linda que ele viveu e escreveu. Temos que levar isso para sempre: eu, como neto e jornalista, os amigos e os companheiros. Acima de tudo manter esse legado e essa história para sempre.”

Parnanguara, torcedor do Coritiba, figura assídua da Boca Maldita, repórter, colunista, cronista, apresentador e diretor de jornalismo na TV, advogado, procurador do estado, membro da Academia Paranaense de Letras. Mazza tinha na cabeça todos os movimentos da política e do jornalismo paranaense nas últimas sete décadas, uma enciclopédia de nomes e acontecimentos que dispensava pesquisas na internet. Até o início do ano, quando a saúde ficou mais debilitada, todos os dias se sentava ao lado de jornalistas mais novos, longe dos aquários que dividem redações. Inquieto, tinha avidez pelos fatos e pela melhor forma de relatá-los.

Mesmo em idade avançada, ia todas as manhãs à rádio CBN Curitiba e à tarde para a sucursal da Folha de Londrina na capital, onde escrevia sua coluna diária no computador que usava como máquina de escrever. Afinal, foi a escrita que o levou ao curso de Direito e ao jornalismo. “A minha chegada ao jornal foi por meio da fantasia da literatura, o que era muito comum”, disse em entrevista à FOLHA em fevereiro de 2021, quando completou 90 anos.

REPERCUSSÃO

O governador Ratinho Junior lamentou a morte de Mazza. "Perdemos uma voz marcante do jornalismo, com um estilo inconfundível para contar notícias. Luiz Geraldo Mazza era referência como ser humano e como jornalista, expoente da profissão. Sabia como poucos dos bastidores da política e foi testemunha ocular do Paraná das últimas décadas. Que Deus conforte os familiares nesse momento difícil", disse Ratinho Junior.

Mazza se reuniu com o governador em uma audiência no Palácio Iguaçu, no começo de 2021, ainda durante a pandemia, na comemoração dos 90 anos do jornalista. Mazza foi presenteado pelo governador com uma obra de arte da artista Marta Xavier. “A partida de Luiz Geraldo Mazza cria um vazio na informação precisa, objetiva e relevante. Todos aqueles que cultivam o bom jornalismo e a informação como um bem imensurável estão tristes com a sua morte”, afirmou o secretário estadual de Comunicação, Cleber Mata.

Mazza foi homenageado em 2022 com a Ordem da Luz dos Pinhais, comenda oferecida pela prefeitura de Curitiba desde 2018. Para o prefeito de Curitiba, Rafael Greca, Mazza “foi grande e nosso: forjava opiniões balizadoras, formador de consciência coletiva”.

O superintendente do Grupo Folha de Londrina, José Nicolás Mejía, destacou a importância de Mazza para o jornalismo paranaense, além da figura humana do cronista político. “Perdemos um grande ser humano e um jornalista de muita qualidade, se destacando por sua experiência e conhecimento do meio político paranaense, com uma memória extraordinária. Respeitado e admirado por todos, tinha trânsito e conhecimento dos bastidores da política paranaense como poucos. Descanse em paz Luiz Geraldo Mazza”.

A CBN Curitiba também prestou solidariedade aos familiares e enfatizou o tamanho de Mazza. “A CBN Curitiba lamenta a morte de Mazza, prestando solidariedade aos familiares e amigos. É uma tristeza para nós. O Mazza esteve conosco por mais de 25 anos, a história do rádio de Curitiba não pode ser contada sem ele e seus comentários irreverentes, sempre chamando atenção para os temas importantes da cidade, do estado e do país. Deixa muita saudade”, disse Amarildo Lopes, dono da CBN Curitiba.

O Coritiba, time de coração do jornalista, também lamentou o falecimento pelas redes sociais. “Mazza foi destaque no jornalismo paranaense, com uma trajetória de mais de 25 anos como comentarista na Rádio CBN Curitiba, além de sua atuação em diversos veículos impressos. Sua contribuição para a comunicação e para a sociedade paranaense foi imensa. Nossa solidariedade neste momento de dor com os familiares, amigos e admiradores”.

REFERÊNCIA

Colunista político e fundador do jornal Plural, de Curitiba, o jornalista Rogério Galindo tinha Mazza como referência. “O Mazza é a união de tudo que alguém precisa pra comentar política com propriedade. Curioso, inteligente, bem informado e com senso de humor. Vai fazer falta também pela memória de tudo que se passou no estado e em Curitiba nos últimos cem anos”.

Além do conhecimento, o que chamava a atenção de Galindo era a paixão de Mazza pela informação. “Morei no Tarumã uma época, e ia trabalhar no Centro de ônibus. Várias vezes o Mazza entrava no ponto mais pertinho da CBN. Íamos juntos, conversando, e para mim era uma honra aprender com os comentários que ele fazia também ao vivo”, recorda. “Eu ficava impressionado principalmente em ver como ele, que já era um senhor octogenário, continuava gostando de política e de jornalismo. Àquela hora, ele estava terminando o expediente com o Wille na CBN e pegava a condução para ir até a sucursal da Folha de Londrina. Depois de chegar no Centro, ele ainda pegava mais um ônibus, e na sede da Folha escrevia sua coluna diária. Um pique impressionante, e um gosto pela profissão que fazia a gente se sentir sempre aluno dele”.

Imagem ilustrativa da imagem Paraná dá adeus a Mazza, um de seus maiores cronistas
| Foto: Theo Marques/Arquivo Folha

MAZZA SE CONSAGROU COMO UMA DAS PRINCIPAIS VOZES DO PARANÁ

Luiz Geraldo Mazza nasceu na casa de seus pais, Arnaldo Mazza Junior e Nair Veiga Mazza, na rua Visconde de Nácar, em Paranaguá, em 10 de fevereiro de 1931. Em entrevista ao jornalista e amigo José Wille, em 1997, disse que passou os primeiros anos da infância em uma casa “habitada por mitos”, uma antiga acomodação para jesuítas, onde sua tias e sua mãe diziam ver padres durante a noite.

“Eu vivi toda a minha fantástica infância entremeada desse tipo de informação. Até a história incrível de um raio que entrou por uma porta, saiu por outra e bateu em uma banheira”, contou Mazza. Quem também entrou por aquela porta foi Heitor Villa-Lobos, que foi amigo de seu avô, contava com orgulho.

Depois de tomar muitos banhos na prainha do Rio Itiberê, onde ficava maravilhado com os hidroaviões, Mazza mudou-se com a família para Curitiba em 1940, aos 9 anos. Estudou nos colégios Prieto Martinez e Tiradentes e no Ginásio Paranaense (atual Colégio Estadual do Paraná), o mais tradicional e concorrido da época na capital. Em 1950, começou a cursar Direito na Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde se formou em 1954. A opção pelo Direito veio do interesse pela literatura, que surgiu durante o ginásio.

Mazza viveu o início da década de 1950 no ambiente universitário de Curitiba, cidade que recebia cada vez mais estudantes de outras partes do país, o que ajudava a quebrar um pouco a aura de província sisuda e fechada.

A facilidade com as palavras o levou a publicar seus primeiros textos ainda em 1950, na “Revista da Faculdade de Direito”. Depois, passou a escrever crônicas para o jornal “O Estado do Paraná”, mas já trabalhava no governo do estado.

Mazza tinha na cabeça a história da imprensa paranaense e seu processo de profissionalização. “Aqui fazíamos uma imprensa cheia de parnasianismos, mas logo chegaram os especialistas de São Paulo com o trabalho de diagramação, que era desconhecido. Havia um lado lírico, dos jornais cantados pelos pequenos jornaleiros. Os meninos que gritavam as manchetes nas ruas”, recordou na entrevista à Folha em 2021.

O jornalismo profissional começa mais ou menos na transição dos anos 1950 para os 1960, recordou Mazza em entrevista a José Wille. “Aquele espírito boêmio mostra a maneira como eram tocados os jornais, sem um sentido gerencial moderno. Quando aparece o ‘Diário do Paraná’, ele traz esse sentido. Só cometeu um equívoco: ele não pagava. Mas nós tínhamos o orgulho de trabalhar num jornal que trouxe tantas inovações para cá – por exemplo, a diagramação”.

Em 1960, o empresário Nagibe Chede fundou em Curitiba a primeira rede de TV no Paraná, a TV Paranaense (Canal 12). No mesmo ano, em dezembro, o grupo Diários Associados criou a TV Paraná (Canal 6), que marcou a estreia Mazza na televisão – ele acumulou a rotina do jornal com a nova função.

Ditadura

Veio o golpe de 1964, para Mazza ainda um efeito do suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. Entrou na mira por trabalhar no “Última Hora”, do grupo de Samuel Wainer, que apoiara Vargas e o presidente deposto João Goulart. O “Última Hora” também apoiava Ney Braga, governador do Paraná, que era ligado à “ala branda” dos militares.

Mazza respondeu a um inquérito militar e esteve perto de ser detido ao menos duas vezes. Na primeira, estava no cinema e foi procurado por dois coronéis que queriam informações do “sistema de comunicações” de Ney Braga. Teria se recusado a falar. Na outra, por suspeita de participação em atos de vandalismo após a vitória de Paulo Pimentel na disputa pelo governo do estado, em 1965.

Folha de Londrina

Em entrevista dada a José Wille para o projeto Memória Paranaense, em 2019, Mazza contou que ficou sem emprego durante seis anos. “Tive algumas restrições, tive um processo militar. Fiquei de 1964 a 1970 sem ter um emprego, porque os empresários não queriam complicação. E aí o (João) Milanez da Folha de Londrina me chamou, e em seguida o (Francisco) Cunha Pereira me convidou para fazer o programa esportivo chamado Telegol no Canal 12”.

Mazza também foi diretor da TV Paranaense. Em 1976, a emissora passou a ser afiliada da Rede Globo no estado, posto que pertencia desde 1970 à TV Iguaçu, do ex-governador Paulo Pimentel. Permaneceu por mais dois anos no canal 12, até se recusar a levar ao ar uma nota redigida pelos donos da emissora, considerada por ele muito elogiosa a um político.

Além da Folha de Londrina, ele também trabalhou para os jornais “Correio de Notícias” e “Indústria & Comércio”, de Curitiba. Foi articulista da “Folha de São Paulo” e trabalhou na Rádio Independência, onde participou de um projeto de resgate da história do carnaval brasileiro. Em 1998, assumiu como quarto ocupante da cadeira de número 20 da Academia Paranaense de Letras.

Mas foi em 1995 que sua voz chegou ao rádio e passou a ser conhecida em toda a capital, quando se tornou comentarista da recém-fundada CBN Curitiba. Ficou até 2019, quando a maior parte da equipe foi demitida. Voltou em 2021, depois de a emissora ser adquirida pelo empresário Amarildo Lopes, de Londrina.

Em março de 2017, Mazza lançou o livro “A Verve e o Verbo”, com textos de sua autoria. Organizada pela jornalista Mirian Karam, a obra reúne trabalhos de todas as sua fases e todos os estilos que abraçou – reportagens, análises, ensaios, contos, crônicas e poemas. Também chegou a ter um blog, apesar de não usar a internet – nunca chegou a ter celular. O Blog do Mazza era organizado e mantido por seu neto, o jornalista Luiz Geraldo Mazza Neto.