Desde o final da década de 1990, o Brasil possui uma legislação específica sobre o planejamento familiar, em que são garantidos os direitos de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. A lei n° 9.263/1996 lista ações disponibilizadas no SUS (Sistema Único de Saúde) que vão desde a assistência à concepção ou contracepção, até o pré-natal e o pós-parto, além do controle das IST (infecções sexualmente transmissíveis).

A mudança mais recente nessa política pública ocorreu em 2022, por meio da lei 14.443, sendo que a alteração mais significativa diz respeito à laqueadura e à vasectomia, com redução da idade mínima de 25 para 21 anos, e o fim do consentimento do cônjuge para o procedimento cirúrgico.

A discussão sobre o planejamento familiar é fundamental também para a sobrevivência das famílias no Brasil. O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, na ocasião do início do pagamento do novo Bolsa Família, destacou o aumento do valor médio das famílias.

“Uma família de dez pessoas adultas recebia antes do Auxílio Brasil R$ 600, que era ali R$ 60 per capita. Agora, essa família de dez, ela vai para R$ 1.420. Ou seja, ela tem ali uma condição de uma renda que garante a condição da alimentação”, disse.

Mas, é importante que haja garantia efetiva, dentro dos espaços de saúde pública, dessas políticas de estruturação familiar. Mesmo com os serviços de assistência social, famílias numerosas podem enfrentar vulnerabilidades sociais.

A coordenadora de Saúde da Mulher na Atenção Primária de Londrina, Priscila Alexandra Colmiran, explica que o município realiza ações educativas junto à população com o intuito de dar subsídio para as mulheres e casais que querem ou não ter filhos.

“Hoje em dia nós percebemos que a maternidade e a paternidade têm que ser no momento oportuno para o casal e para o indivíduo. Nós ofertamos as orientações no caso da prevenção, se ela não quer ter filhos nesse momento ou quer protelar, ou no caso daquela mulher que tem o desejo de engravidar e tem toda uma rotina de planejamento pré-concepcional”, explica.

Dentro da estrutura da saúde pública, são disponibilizados vários métodos contraceptivos: anticoncepcional oral e injetável, DIU (dispositivo intrauterino) de cobre e os métodos cirúrgicos. Também, há a distribuição de preservativos masculinos e femininos.

Na unidade de saúde, a pessoa passa por uma avaliação de enfermagem, que vai indicar se o método precisa de prescrição médica. “Tudo é gratuito, inclusive depois da dispensação da medicação.”

Segundo Colmiran, as mudanças na legislação do planejamento familiar foram positivas, sobretudo pensando na autonomia da mulher que busca fazer a laqueadura, uma vez que, caso seja o desejo dela, é possível realizar o procedimento no momento da cesariana.

PERFIL

A coordenadora explica que, nos últimos anos, tem sido observada uma mudança no perfil da mulher que engravida. De modo geral, elas estão engravidando mais tarde por influência de questões como trabalho, estudo e impacto financeiro.

“Então, tem tido sim essa preocupação [com o planejamento familiar]. Lógico que algumas famílias fogem à regra e têm quatro ou cinco filhos, mas não tem sido o habitual”, diz.

Não à toa, os casos de gravidezes indesejadas ainda são comuns. Uma pesquisa publicada na revista científica “Reproductive Health” em 2016 indicou que 55% das quase 24 mil mulheres brasileiras entrevistadas, entre 2011 e 2012, não tinham intenção de engravidar. Mais recentemente, um levantamento da Bayer em parceria com a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), publicado em 2021, indicou que 62% das mulheres entrevistadas tiveram pelo menos uma gravidez não planejada no país. Segundo os dados, o principal problema apontado pelas participantes foi o não uso de um método contraceptivo, com 34%, falha do método, com 27%, e uso de maneira errada, com 20%.

Colmiran ressalta que todas as pessoas têm o direito de fazer sua escolha reprodutiva e ter acesso à informação de qualidade e seguro. “E ter acesso aos métodos, seja para engravidar ou para não engravidar. É importante que isso seja avaliado enquanto casal e enquanto indivíduos”, afirma, citando que é essencial uma avaliação das condições de saúde e hábitos da mulher que deseja ser mãe. “Para que ela possa ter uma gestação mais saudável e segura.”

MÉTODO NATURAL

Em Londrina, há mais de 30 anos o Cenplafan (Centro de Planejamento Familiar Natural), órgão ligado ao Movimento Apostólico de Schoenstatt, busca ensinar aos casais e às mulheres a importância de conhecer sua fertilidade e infertilidade. Isso porque, explica a coordenadora, irmã Lucimar Stefanelo, o planejamento pode ser utilizado tanto para buscar uma gestação quanto para espaçar ou evitar a gravidez.

O trabalho feito pelo Cenplafan consiste na instrução do Método de Ovulação Billings, uma alternativa natural aos contraceptivos medicamentosos ou de barreira.

“É um conhecimento que se faz no dia a dia, a mulher se observa e vai sabendo como está naquele dia na sua fertilidade ou não fertilidade. Em casa, à noite, é anotado o que se passou no dia”, destaca. Ela explica que a aplicação se dá com a observação do ciclo menstrual e de outros sinais no organismo da mulher.

“Tem trazido um resultado maravilhoso para todos os casais. Maior entendimento, maior diálogo e maior fidelidade. E, tudo de bom que possa existir para o casal, esse método acaba trazendo para dentro do lar, para dentro do matrimônio”, opina a coordenadora.

Um dos casais que foram orientados pelo Cenplafan é a professora Wercy Costa Moraes da Silva, 51, e o assistente de gabinete Clodoaldo Ferreira da Silva, 52. Eles já eram pais de um menino de 3 anos quando buscaram o centro, em 1994.

“Eu já havia ouvido falar dos métodos naturais nos encontros de noivos, nas paróquias e na Pastoral da Família, eu era muito nova e sempre me interessei por esse lado do natural”, conta Wercy. Mas uma dificuldade era encontrar alguém para detalhar a aplicação do método. “Foi quando conheci a irmã Lucimar. Ela apresentou o método de Billings, conversei com meu esposo e adotamos.”

A professora explica que, a partir dessa experiência, conseguiu espaçar uma gravidez da outra, tanto que apenas anos depois sua filha nasceu. Hoje os filhos do casal têm 31 e 24 anos, respectivamente.

“É possível você planejar, engravidar, o neném nascer e depois espaçar, se for o desejo do casal”, conta Wercy, que trabalhou como instrutora do método. “Isso trouxe muitos benefícios não só para mim, enquanto mulher, mas para o nosso casamento”, completa.

“Eu atendo pessoas de todas as regiões, atendo pessoas sem religião. A sociedade, essa que ultimamente se dedica mais ao natural, busca também o planejamento familiar natural”, finaliza a coordenadora do Cenplafan.