São Paulo - O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, acusou o Brasil e a China de permitirem que Vladimir Putin avance com a guerra em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) nesta quarta-feira (25).

"Quando alguns propõem alternativas, acordos frágeis os tão chamados - conjuntos de princípios - , não apenas ignoram os interesses e o sofrimento dos ucranianos, que são os mais afetados pela guerra, como também a realidade e dão a Putin o espaço político para continuar a guerra", afirmou ele na tribuna do plenário da ONU em Nova York.

"Quando China e Brasil tentam convencer outros a apoiá-los, na Europa, na África, propondo uma alternativa a uma paz plena e justa, surge a pergunta: qual é o verdadeiro interesse deles? Todos precisam entender que não terão mais poder às custas da Ucrânia", declarou.

Ele aparentemente fazia referência a uma reunião convocada por Pequim e Brasília com 19 países em desenvolvimento para discutir a fórmula de paz nesta sexta (27), depois da Assembleia-Geral da ONU.

Zelenski já havia criticado o plano, anunciado por Brasília e Pequim em maio, em diversas ocasiões anteriores. A mais recente tinha sido nesta terça (24), quando, em pronunciamento ao Conselho de Segurança da ONU, ele insinuou que o documento não estava de acordo com os princípios de manutenção da paz que guiam o organismo multilateral, estabelecidos em sua Carta de fundação.

"Não há uma Carta da ONU diferente para o Brics ou para o G7. Não existe uma Carta da ONU russo-iraniana, ou sino-brasileira. Só existe uma Carta da ONU, que une a todos, que deve unir a todos", afirmou.

Antes, na sexta-feira (20), ele disse que o documento assinado pelo chanceler chinês Wang Yi e o assessor de Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim, não traz nenhum plano concreto e "esconde alguma coisa".

Zelenski defendeu a fórmula de seu país para a paz em todos os discursos que deu à ONU desde o início da guerra, em 2022.

No primeiro ano do conflito, porém, ele usou seu tempo na tribuna para pedir armas, algo que não fez nem neste pronunciamento, nem no anterior, ainda que com frequência faça referência ao tema.

O apoio bélico do Ocidente é essencial para a Ucrânia, que tem capacidades militares muito inferiores às da Rússia. Zelenski deve abordar o assunto e, em especial, o pedido para utilizar equipamentos doados em ataques ao território russo, em uma reunião com o presidente americano, Joe Biden, nesta quinta-feira (26).

Zelenski iniciou seu discurso acusando a Rússia de estar planejando atingir usinas nucleares na Ucrânia. O país invadido abriga a maior planta do tipo da Europa, a usina de Zaporíjia, localizada na região de mesmo nome, no sul ucraniano, e tomada pelos russos no segundo mês do conflito.

Segundo o presidente ucraniano, informações de inteligência indicam que Moscou se prepara para atacar as usinas com o objetivo de prejudicar ainda mais a infraestrutura energética do país invadido às vésperas do inverno. Desde o início do conflito, a Ucrânia já teve cerca de 80% de seu parque elétrico destruído.

Mas ataques a plantas atômicas implicam o risco de um desastre nuclear, prosseguiu o presidente ucraniano. "Um dia como esse não deve chegar jamais. E Moscou precisa entender isso."

O maior acidente nuclear da história, em Tchernóbil, em 1986, ocorreu em território ucraniano, quando este integrava a extinta União Soviética. Dados oficiais do regime à época afirmavam que a explosão de um reator no local causou no total 30 mortes, sendo 2 delas na cena do acidente e as demais nas semanas seguintes. Cientistas acreditam, porém, que mais de 10 mil pessoas foram atingidas pela radiação, aumentando o número de casos de câncer em vários países da Europa.

QUITAÇÃO

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou nesta terça-feira (24) que quitou todas as suas dívidas com a ONU (Organização das Nações Unidas).

Em uma nota conjunta, os ministérios do Planejamento e das Relações Exteriores informaram que, desde o início do ano, destinaram R$ 1,3 bilhão para honrar compromissos com organismos internacionais.

"Com os pagamentos, o Brasil passa a integrar grupo seleto de países que estão plenamente em dia com suas obrigações financeiras na ONU, em um momento em que a organização enfrenta dificuldades de liquidez", afirma o texto.

O anúncio aconteceu no mesmo dia em que o presidente Lula discursou na abertura da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York.

A nota dos ministérios afirma que os recursos garantiram a quitação das contribuições ao orçamento da ONU em três componentes: orçamento regular, missões de paz e o Mecanismo Residual Internacional para Tribunais Penais (IRMCT, na sigla em inglês). Foram destinados para isso R$ 448 milhões.

"Além de saldar, em maio, as contribuições ao orçamento regular, o Brasil pagou todas as faturas, emitidas até o momento, relativas a missões de paz e fez seu aporte anual ao IRMCT", afirma o texto.

"A quitação dos compromissos reflete o sólido apoio do país aos mandatos da ONU e ao multilateralismo, e decorre de esforço iniciado em 2023, quando, apenas no que se refere a missões de paz, foi pago mais de R$ 1,1 bilhão, em função de passivo acumulado desde anos anteriores", diz a nota.

Segundo o governo, no primeiro semestre o Brasil saldou suas contribuições junto a outros organismos internacionais, como OMC (Organização Mundial do Comércio), OMS (Organização Mundial de Saúde) e Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), entre outros.

Como é tradição, o presidente brasileiro foi o primeiro a discursar na abertura da Assembleia-Geral da ONU nesta terça-feira (24). Lula afirmou que seu governo não terceiriza responsabilidade pela onda de queimadas que assola o Brasil. Ele também usou o discurso para fazer uma crítica velada ao empresário Elon Musk, dono da rede social X, banida do Brasil por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).

Durante a sua estada em Nova York, o presidente tem pedido reiteradas vezes a reforma da governança global, em particular dos órgãos da ONU, como o Conselho de Segurança.

"A exclusão da América Latina e da África de assentos permanentes no Conselho de Segurança é um eco inaceitável de práticas de dominação do passado colonial", afirmou o presidente, ainda em seu discurso na ONU.

Nesta quarta-feira (25), o mandatário voltou a tocar no assunto durante a cúpula do G20 que acontece também em Nova York, às margens dos eventos da Assembleia-Geral.