Filadélfia - Em um gesto inusual, Donald Trump surgiu de surpresa no centro de convenções transformado em sala de imprensa do debate contra Kamala Harris, ocorrido nesta terça (10) na Filadélfia. Na contramão da leitura majoritária de que teve um desempenho ruim, o ex-presidente afirmou que foi o melhor embate da sua vida, que ele se divertiu e que espera que os repórteres também tenham "curtido".

"Mostramos como eles são fracos, como são patéticos", disse o republicano, emendando que pesquisas internas do partido mostram que ele teria vencido por "60%, 70%, 80%".

Questionado por um jornalista sobre o porquê, então, de ele estar ali, uma vez que uma performance tão boa falaria por si mesma, o empresário se limitou a justificar que já havia combinado com algumas pessoas que passaria por ali.

"Ela quer outro debate, porque sabe que perdeu esse, mas não sei se vamos ter mais um", afirmou. Aliados do republicano, como o empresário Vivek Ramaswamy, já disseram que acreditam na necessidade de um novo debate.

O republicano patinou em diversas respostas e se mostrou irritado com as cutucadas de Kamala - especialmente as que miraram seu ego, como quando ela disse que as pessoas não assistem os discursos de Trump até o final. O ex-presidente também se irritou com as correções feitas pelos moderadores das declarações incorretas que fazia.

Isso aconteceu três vezes: quando Trump disse que os democratas, a favor do aborto, querem "executar bebês após o nascimento"; quando afirmou que imigrantes na cidade de Springfield, em Ohio, estavam comendo animais de estimação de moradores; e quando disse que o crime vem diminuindo em países como a Venezuela porque os criminosos estariam sendo enviados aos Estados Unidos.

"Os moderadores foram muito injustos, foi um debate de três contra um", disse Trump. "Apesar disso, o debate foi uma vitória para nós. A ABC News é o pior canal de notícias de todos, sempre foi", afirmou, em novo ataque à emissora que organizou o debate.

O debate contra Joe Biden, em junho, mal havia acabado, e aliados de Donald Trump já haviam inundado o "spin room", como é chamada a área reservada para entrevistas a jornalistas, para celebrar a vitória do ex-presidente - tanto a da noite quanto a de novembro, que já davam como certa.

Democratas demoraram para aparecer e, quando surgiram, foi em grupo, como se incapazes de defender sozinhos a performance do democrata.

A Filadélfia não poderia ser mais diferente de Atlanta.

Diante do desempenho ruim de Trump no debate contra Kamala Harris nesta terça (10), o clima de preocupação era visível entre aliados do republicano. O próprio candidato, em uma ação bastante inusual, apareceu de surpresa no spin room para tentar convencer que foi o melhor debate de sua vida.

"Se foi isso, por que você está aqui agora, em vez de deixar sua performance falar por si só?", gritou um jornalista na multidão que se acotovelava. "Eu tinha combinado com as pessoas que viria aqui", justificou-se Trump.

Repetindo um discurso que já vinha sendo ensaiado antes mesmo do debate, o ex-presidente e seus aliados acusaram os moderadores David Muir e Linsey Davis de terem sido supostamente injustos com Trump.

"É lamentável que os moderadores se uniram a Kamala, numa relação de três contra um", disse o conselheiro da campanha republicana Brian Hughes. "Os moderadores não foram bons. Foram três contra um", repetiu o senador Tom Cotton. "Qualquer um que viu aquilo concordaria que não foi um tratamento igualitário dos dois candidatos", completou o empresário Vivek Ramaswamy.

"Os moderadores foram três contra um, foi muito injusto", afirmou o próprio Trump.

Republicanos ficaram especialmente incomodados com as intervenções dos moderadores, que desmentiram diversas falas do empresário. "Ficaram fazendo uma tal - checagem da fatos - de Trump, mas não de Kamala. Eles não a pressionaram nas mentiras e erros dela, que foram vários", disse Cotton, por exemplo.

A postura dos jornalistas foi uma diferença significativa em relação ao debate de Atlanta, no qual os moderadores se limitaram a fazer perguntas, sem corrigir os candidatos.

Além de culpar a imprensa, republicanos dedicaram-se a repetir que Trump foi efetivo no que importa: transmitir a mensagem de que é ele o candidato que vai melhorar o bolso do eleitor.

"A coisa mais importante, o que importa, é a economia. Acabar com a inflação. E garantir a segurança da fronteira. O presidente entregou essa mensagem muito claramente. Nós conseguimos cumprir esse trabalho", afirmou Hughes.

Do lado democrata, o clima era definitivamente mais leve do que o de Atlanta, mas longe do estado efusivo dos republicanos.

"Você está provando factualmente meu ponto", disse, rindo, o governador Gavin Newsom, da Califórnia, ao ouvir de uma repórter que o cenário dessa vez parecia muito melhor do que o anterior.

O democrata foi um dos poucos azarados que precisou defender Biden em junho - sintoma do desastre, ele foi inundado na época de perguntas se assumiria o lugar do presidente na chapa.

"O contraste é evidente", disse Newsom nesta terça. "Isso prova o velho paradigma de que na política um dia equivale a um ano", afirmou.

Mais comedido, o governador da Carolina do Norte, Roy Cooper, afirmou que Kamala "se mostrou presidenciável e colocou Trump na defensiva em todas as questões".

"Ficou claro que ele não tem um plano. Quando falou sobre aborto, ele perdeu o controle., começou a falar de dívida estudantil", destacou. "Em política externa, ele nem foi capaz de dizer que quer que a Ucrânia vença."

Na mesma linha, a senadora democrata Laphonza Butler afirmou que o eleitor ficou sem saber ainda o que Trump quer fazer se for eleito. A estratégia democrata busca virar o jogo em um dos principais ataques de republicanos a Kamala: a ausência de uma plataforma de governo clara.

Não está claro se haverá um novo debate. Em um gesto típico, Trump disse que a campanha democrata já teria proposto mais um porque estaria supostamente desesperada, mas que ele não sabe se aceitará mais um. "Foi o melhor debate que eu já fiz. Eu me diverti. Espero que vocês tenham curtido também."

TEORIA DA CONSPIRAÇÃO

Os apoiadores do candidato à Presidência dos Estados Unidos Donald Trump estão espalhando uma teoria da conspiração segundo a qual sua adversária, Kamala Harris, estava usando fones de ouvido embutidos em seu brinco para debater na noite de terça com o republicano, que foi criticado por seu mau desempenho no evento.

"Parece que Kamala Harris estava sendo treinada usando fones de ouvido embutidos em seus brincos durante o debate presidencial da ABC contra o presidente Trump", publicou no X uma conta com mais de 500 mil seguidores que costuma publicar notícias falsas, segundo a revista americana Wired.

A desinformação se espalhou rapidamente na rede social. De acordo com o veículo, uma publicação feita por outra conta pró-Trump sobre o assunto teve mais de 5 milhões de visualizações.

Uma das pessoas que ajudaram a difundir a notícia falsa foi a ativista de extrema direita e ex-candidata republicana ao Congresso Laura Loomer, que viajou no avião do republicano para o debate organizado pela emissora ABC News, segundo a NPR. A aliada de Trump, que já se descreveu com como "islamofóbica orgulhosa" e disse ser pró-nacionalismo branco, é conhecida por difundir desinformação.

A teoria se baseia em uma vaga semelhança dos brincos de pérola que Kamala usava com acessórios da Nova Audio Earrings, que produz modelos acoplados com fones de ouvido. A reportagem não encontrou brincos da empresa que sejam iguais aos da candidata - o que não impediu apoiadores de Trump de invadir as caixas de comentários da marca no Instagram.

Após protagonizar, em junho, um debate contra Joe Biden que foi o pontapé para o democrata desistir da tentativa de reeleição, Trump ficou na defensiva contra Kamala até mesmo em temas delicados para o Partido Democrata, como a situação da economia e a migração.

Em alguns momentos, a candidata riu das colocações do republicano, como no momento em que ele falou que, "em Springfield, (...) os imigrantes que chegaram estão comendo os gatos, as pessoas estão comendo os pets dos moradores". Trump foi desmentido em seguida pelo moderador.

"E você fala de extremismo", respondeu ela, antes de citar a carta de apoio à sua candidatura de mais de 200 ex-funcionários de políticos republicanos. "Se você quer realmente saber quem é este candidato, se ele já não deixou claro, apenas pergunte às pessoas que trabalharam com ele."

Trump, por sua vez, estava visivelmente irritado, especialmente após os ataques de Kamala. Em um deles, a democrata convidou o espectador a ir aos comícios de Trump para comprovar que, segundo ela, o rival faz discursos incoerentes que entediam as pessoas e as fazem saírem mais cedo dos eventos.