Li algures, que detentos da Penitenciária Industrial de Cascavel produzem 600 casinhas para cães, vítimas das enchentes do Rio Grande do Sul. Não é uma notícia banal ou uma nota de rodapé, nas constantes prosas que abordam a catástrofe que se abateu sobre o RS. Este seria sim, um lead (lide) para um grande artigo de fundo!

Num país que considera as prisões como depósitos do lixo humano descartável e, que na pior das hipóteses, as vê como escolas do crime, eis aqui uma luz ténue no fundo do túnel da descrença generalizada no ser humano! Bichinhos, que ainda se afogam na apatia de quem os coisificou, encontram um aconchego carinhoso nos que a sociedade já descartou! Que poema! Que ode à humanização dos condenados e ao respeito dos animais queridos, os “melhores amigos do homem”! Dos intramuros do inferno, veio a mensagem que nos inebria com um odor de céu!

Como tenho uma imaginação privilegiada, não me custa viajar para as mãos e o coração dos detentos, que induzidos a fazê-lo, colocam amor e afeto nesses mimos para os caninos desalojados! Os que possuem uma residência provisória pagando as suas dívidas à sociedade fazem uma casinha aconchegante aos animais castigados por um crime que não cometeram!

Não sei se chegará aos apenados um obrigado vindo do Sul, em forma de latido sonoro de cachorros agradecidos; mas com certeza, o rosnar de muitos humanos, que consideram “bandido bom, bandido morto”, não lhes faltará! Para esses, simploriamente, o mundo se divide entre bons e maus!

Casinhas para cães, fabricadas em presídios, falam per si. Precisamos escutar. Não é necessário que façamos algum juízo de valor individual dos que as fazem! Eles são detentos e cumprem pena. Isso é fato. Porém, encarcerar alguém que cometeu um crime deve ser apenas o início de uma conversa para uma sociedade madura e responsável. Como disse a diretora da Penitenciária de Verona (Itália): “todos os dias vemos olhos e olhares repletos de sofrimento e histórias, mas não desviamos o olhar”. Isso é crença! Crença na pessoa humana e crença na capacidade da sociedade de se proteger, cuidando dos infratores.

Crescemos muito nas últimas décadas. A prova disso é o esforço feito no resgate a animais nas inundações. Anos atrás eles seriam abandonados! A sociedade se humanizou, cuidando dos animais com o respeito que merecem! Que coisa linda! Isso é evolução. Civilização.

Contudo, os paradoxos nos sufocam! Nunca se matou tanto nas ruas das nossas cidades e nunca tivemos tantos presos em situações infra-humanas nos “porões da humanidade”! Homens pobres e negros imploram o mesmo respeito e carinho que oferecemos aos bichinhos! Ora, isso nos machuca enquanto humanidade. Não há uma inversão de valores; o que há, é uma disfunção cognitiva grave!

Nelson Mandela ficou 27 anos preso e na saída virou presidente da África do Sul. Não era um “preso comum”. Mas era um “criminoso” na ótica do regime do Apartheid! Milhões de negros confiaram que a prisão não o destruiria. E obtiveram a vitória. Conheço alguns homens que deixaram no cárcere uma vida que “não lhes pertencia”. Minoria? Pode ser que sim. Mas, nem que se tratasse de um apenas, eu continuaria acreditando na capacidade do ser humano de “nascer de novo”! Um tal de Jesus de Nazaré, ao levantar da poeira a “mulher pecadora”, assim me ensinou.

Temos 650 mil custodiados no Brasil. Só perdemos para os EUA, que não são pródigos em bons exemplos! Se nos fecharmos à possibilidade de resgate dessa gente, passamos a constatar (pior do que acreditar), que profissionalizamos no crime mais de meio milhão de brasileiros. Eles invadirão as nossas cidades e matarão. Matarão por um celular e por um ténis! Farão horrores com os nossos bichinhos, que não precisarão mais de casinhas feitas na prisão! Por isso, a notícia que veio de Cascavel é muito alvissareira!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina