Leio nalgum lugar que um advogado famoso, ainda ontem ministro da Justiça, teria sido contratado (enquanto advogado, não como juiz) pelo bilionário israelense da mineração Benjamin Steinmetz, para emitir um parecer jurídico a ser usado na justiça britânica, em uma disputa contra a brasileira Vale do Rio Doce, de quem já fora sócio na Guiné.

Importante destacar quem contrata, o que contrata, para que contrata e, assim, poder dizer algo de quem se contratou, sem esquecer que advogados são buscados cotidianamente quando os interesses contrariados de cidadãos comuns entram em polo de conflito com o estado ou até mesmo com particulares e isso é de nossa rotina funcional, não havendo nenhuma irregularidade na situação.

Imagine você que, na construção das câmaras de gás de Auschwitz houvesse qualquer senão e o próprio chanceler inimigo da humanidade precisasse do abrigo jurídico de um parecer qualquer e buscasse a sapiência de um advogado com as prerrogativas necessárias (ator político de longa data). Seria legítima a contratação em favor da construção de parecer jurídico que referendasse a edificação e o funcionamento das câmaras de gás.

O israelense nega os crimes e, na medida em que nenhuma das justiças envolvidas em sua persecução dá início a execução da pena antes de passar em julgado o processo, tampouco presumem a culpa, não serei eu a fazê-lo – ainda que seja tentador lembrar que marcos civilizatórios estão sendo convocados (pela contratação do parecer) na contenção de uma qualquer ‘persecutio in judicio’, especialmente em se tratando de quem se trata...

Fato é: juiz ativista sempre será mais do mesmo. De toga ou de beca. Não devemos esquecer disso, jamais! Nem que o país se deixe obnubilar, outra vez, nas farras midiáticas de operações espetaculosas...

Tornando ao leito do rio, já assenti a absoluta regularidade na contratação de um parecer para a construção de uma defesa em favor de um homem acusado por crimes contra a humanidade (até usei a analogia com a emissão de parecer em favor dos nazistas), mas o que não se pode deixar de questionar é a hipocrisia de nossa resiliência em polo de convívio com a falta de paciência com o progresso da humanidade.

Explico: é mais fácil jogar a pedra e vê-la acertar quem leva um vidro de pinho sol na mochila e é detido em uma manifestação de rua, aceitando passivamente a construção da tese de que aquele vidro de material de limpeza se prestaria a ser um coquetel molotov, do que questionar o fato de que, como estava (guardado na mochila), o vidro de pinho sol nem para limpar patentes prestava...

Em qualquer contexto (de toga ou de beca) o juiz ativista segue sendo pior do que cerveja vencida, cujo gás escapa para ser usado nas câmaras construídas com o auxílio de pareceres jurídicos desapegados do contexto humano que nos pariu a todos. Essa é a verdade que nos aproxima. Seletiva. Que sabe gritar quando jovens da periferia vão a um ‘rolezinho’ no shopping center da moda, mas cala enquanto os seguranças matam leão pelo pescoço de um jovem negro.

Heróis de barro não sobrevivem ao postulado da razão. Pare e pense, então, no que fazer de sua dor quando ela desatinar doer e não houver uma demanda ideológica a lhe abrigar do frio da indiferença que o mercado lhe reserva.

Sigamos tendo ‘palavras para o indizível’, que nossa voz se presta ‘apenas a emudecer o menino que esquecemos’ na velhice que colhemos.

Estou quase concordando que a terra é plana – ainda que seja para ver cair-lhe pelas beiradas os que fingem demência, mitigando a própria culpa na dor alheia, deslembrando da empatia e sendo, enquanto advogado, tão infeliz quanto o foram quando juiz...

Mundo, mundo, envelhecido mundo. Que falta você me faz Pai.

João dos Santos Gomes Filho, advogado