Menino, Alceu Vezozzo já fazia piões para os meninos com quem brincava nas ruas de terra da pequena Cambará. Rapazola, antes de para o colegial no Mackenzie em São Paulo, criou seu primeiro empreendimento, uma banca para meninos pobres engraxarem sapatos numa barbearia. Assim já prenunciava o empresário com macro-visão para empreender e micro-visão para cuidar dos empreendimentos e das amizades, parceiros e colaboradores. Tanto que, sempre liderando, nada mandava, só pedia, como nada esperava mas tudo antevia.

Formado engenheiro, foi fazer nos EUA mestrado em asfalto, que estava começando no Brasil, mas voltando descobriu que era um mercado para poucos e grandes. Essa decepção porém motivou abrir com os pais o Bourbon Hotel de Londrina, erguendo o prédio já com hóspedes nos primeiros andares, e com tal envolvimento familiar que a esposa Laila costurou as cortinas e os pais foram morar na cobertura.

Os hotéis seguintes Alceu foi criando a partir de visões que “Deus mandou”. Como o hotel em Foz do Iguaçu a meio caminho para as Cataratas, pioneiro no que se tornaria um imenso eixo turístico. Em São Paulo, comprou um velho edifício tombado pelo patrimônio histórico, o que parecia coisa de louco, e restaurou transformando em icônico hotel.

Em Curitiba, também restaurou “do alicerce à antena” outro velho edifício porém em ponto nobre, transformando em hotel com agenda cultural, centro de eventos e preciosidades como restaurante onde o som ambiente é só com músicas de Tom Jobim - enquanto o repertório do som nos hotéis Bourbon também é de preciosa qualidade, pois sua visão de ambiente pressupõe natureza convivendo com arte.

Por isso, neles não se vê decoração padronizada mas pinturas e esculturas em ambientes com muita madeira e plantas, coisa do ambientalista Alceu desde quando a palavra ecologia era desconhecida. Nos seus hotéis campestres as matas não só foram preservadas como aumentadas; o de Foz tem quilômetros de trilha por mata nativa, viveiro para recuperação de animais silvestres e horta orgânica pioneira suprindo o hotel há décadas.

A flor em todas as mesas não é artificial, é natural. O pudim de dona Laila convive com vinhos de adegas em vitrines. No imenso hotel de Atibaia, na adega subterrânea e também em imensas vitrines, estão duas das enormes sapatas de concreto que sustentam o edifício de 700 apartamentos - mostrando que foi plantado, depois de muita “pedraplanagem”, sobre um morro rochoso. Que depois foi transformado em floresta e jardins com capela, horta, grande teatro, centro de convenções, em tal complexo que a própria família temeu quando Alceu quis “fazer o que Deu mandava”, pois parecia um mega delírio. Seu resort foi porém a primeira aposta numa Atibaia turística que, desde então, triplicou de população com dezenas de resorts.

Sua receita de manutenção primorosa resumia numa frase: “Nada precisa ser novo mas tem de parecer novo”, e até porque “manter tudo em perfeito estado é melhor para todos e sai mais barato”, o que aliás deveria ser norma de Estado. Com valores e normas assim, criou nos cinco hotéis da família uma cultura própria de hotelaria brasileira, estendida por Alceu Filho para mais 17 hotéis associados.

Pediu que sua biografia, escrita a pedido da família para preservar seu legado cultural, fosse entregue a todos os milhares de colaboradores da rede própria de hotéis, lamentando não poder autografar para cada “companheiro de trabalho”. Agora não nos despediremos dele, pois não o esqueceremos.

Mas, com a jovialidade que ele manteve até nonagenário, e como é costume entre os milhares de jovens estudantes no Instituto Bourbon que ele criou em Cambará, podemos dizer de boca cheia: valeu, Alceu!

Domingos Pellegrini, escritor

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