Em plena guerra fria (1966) os Beatles lançavam um álbum (Revolver), onde gravaram um clássico (Yellow Submarine) que canta a história de um lugar (Pepperland) onde os habitantes viviam sob as ondas (‘we lived beneath the waves’) e são invadidos por criaturas infelizes que odeiam música – algo parecido com a extrema direita tupiniquim.

O prefeito, em esforço de guerra, envia ao mar um marinheiro antigo (Fred), que ruma a Liverpool. Na capital do rock, o viajante pede ajuda aos Beatles para salvar a sua cidade e a música. Os caras de Liverpool, então, partem para Pepperland a bordo de um submarino amarelo.

O nonsense repousa na cor (amarela) da nave marítima, suposto que ela chama atenção além do que se poderia imaginar, desligando uma das benesses da nave – a capacidade de passar despercebida.

A música é maravilhosa (como tudo que os Beatles cantaram), mas não é dela que quero falar. Quero entender o que passa no mundo, partindo de uma dupla desventura que contrapõe um só pano de fundo (morte no mar).

A primeira das misérias a que me reporto passou no oceano Atlântico e alinha o cadafalso de três milionários (e dois tripulantes) que partiram em um submarino. A segunda desdita se deu no mar Mediterrâneo e contabiliza a desilusão de mais de setecentos migrantes que naufragaram.

No que toca o estupor do Atlântico, ao que tudo indica, o submarino implodiu ao descer mais do que lhe permitia o peso da água. Registro que o motivo da viagem submarina seria ver, de muito perto, os destroços do Titanic e a passagem para a aventura final de suas vidas custou US$250.000.

Não questiono o que as pessoas fazem com o próprio dinheiro. Esse ainda é um mundo livre e cada um tem o direito de gastar o que acumulou da forma que quiser. Mas vou morrer questionando o que passa no mundo da informação, na medida em que a notícia, na segunda década do século XXI, tem cada vez mais cara de entretenimento que se vende do que fato que se pontua valorativamente.

É que na mesma semana que os cinco desafortunados passageiros do submarino (Titan) perderam contato com a base, naufragava no Mediterrâneo um barco (na costa grega), com mais de setecentos migrantes a bordo. Do que se apurou a guarda costeira grega não se esforçou a resgatar as vítimas.

Noves fora e na medida em que o submarino cujo contato se interrompeu com a base dispunha de oxigênio para até cinco dias, o mundo se comoveu e a imprensa passou a acompanhar o caso – minuto a minuto...

Antes que você atire mais pedras em mim, saiba que nem de longe estou criticando a comoção e os esforços para salvar os cinco tripulantes do submarino; estou, sim, questionando o que leva a imprensa a valorar cinco vidas sobre 700 – ou mais – na eleição de suas prioridades de minutagem...

Cada vida importa, ainda que a de migrantes (provavelmente em situação de ilegalidade formal) em busca de refúgio não esteja tão disponível às narrativas quanto a de três multimilionários (e dois tripulantes) em busca de uma aventura.

Os náufragos da necessidade (mais de setecentos migrantes) não compõem o quadro que emoldura as narrativas que os Mass mídia criam do nada, em busca de vender a notícia através do encantamento desenvolvido. Milionários em apuro sim.

É esse o ponto.

Desde que a notícia virou um negócio antes de uma necessidade democrática, os valores embutidos no pacote neoliberal vêm dando o tom – inclusive parindo as fak news.

Não há forma de convívio (humano) que desapegue da empatia. Nenhum esforço nosso, inclusive no seio do neoliberalismo, vale o desapego valorativo com que a imprensa tratou ambos os temas.

Quando o hoje constatado naufrágio sem sobreviventes do submarino (que muito provavelmente implodiu em face da pressão absurda a que se auto submeteu) ainda era uma incógnita alusiva a ausência de comunicação, o barco com mais de setecentos passageiros já era uma certeza.

De um lado uma hipótese (perda de comunicação entre o submarino e a base), de outro lado uma realidade – naufrágio de um barco com mais de setecentas pessoas a bordo no Mediterrâneo.

Ainda que ambas as situações merecessem toda a atenção, não vi ninguém nos jornalões mundo afora dar a minutagem de tratamento que a tragédia do Mediterrâneo reclamava a olhos vistos. Todavia sobejaram minutos (e narrativas) ocupacionais do infortúnio do Atlântico.

Cinco vidas não podem sublimar mais de setecentas. Isso é básico desde que a escuridão briga com a luz pela captura de almas, como bem esclarece John Constantine, o imortal personagem de Alan Moore.

Ainda bem que os Beatles cantaram sua bela música (‘na cidade onde nasci, viveu um homem que navegou para o mar e ele nos contou sua vida, na terra dos submarinos’) no século passado, suposto que hoje, sendo a notícia um fato especulado, poderia a melodia imortal não ter sobrevivido aos interesses colaterais da guerra frias.

Tristes trópicos, onde a luz da lua reflete o que dela pode a notícia cobrar e não o que nossos olhos capturam. Saudade Pai, você ensinou que "ao navegar para o sol, encontramos um mar verde sob as ondas".

João dos Santos Gomes Filho, advogado

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