Os últimos dias resgataram o clima de paixão nacional. Não pelo futebol, mas pela coqueluche que, já faz algum tempo, tem colocado à população em frente à TV para ver um jogo que também deixa os nervos à flor da pele: a política.

Na quinta-feira (7), o julgamento da condenação em segunda instância pelo STF (Supremo Tribunal Federal) colocou mais espectadores em situação de torcida, grudados nas telinhas. O clima sugeria mesmo que uma cerveja cairia em boa hora. Cravados os 6 X 5 que modificaram uma decisão do mesmo STF em 2016 – o de autorizar a condenação em segunda instância – os debates se acirraram nas redes, com alguns concordando, outros discordando e poucos refletindo. A justificativa dos ministros que optaram pela suspensão da medida é sua inconstitucionalidade, palavra tão grande quanto as consequências de sua não observância.

Já na tarde de sexta-feira, a política entrou de novo em campo e aí o clima era de campeonato mundial. Em vez da bola, rolava a notícia da soltura de Lula e, de novo, milhares de brasileiros, contra ou a favor dos árbitros do STF, voltaram para a frente da TV e grudaram os olhos nos sites para ver a história passar.

Há momentos de uma nação em que não estão em jogo apenas as simpatias ou antipatias. Há momentos que pertencem à história e por isso suscitam a curiosidade. A explosão da Revolução de 1930 foi ouvida pelo rádio de Norte a Sul do País; o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, causou uma comoção nacional que não durou anos, mas décadas. E ontem, de novo, a libertação de uma liderança política, goste-se dele ou não, vai demandar consequências imediatas e a longo prazo.

Do ponto de vista prático, o que representa a determinação do STF? Segundo analistas, de imediato, significa que isso abriu caminho para a soltura de ao menos 13 presos da Lava Jato, entre ex-executivos de empreiteiras, doleiros e ex-dirigentes da Petrobras, além do ex-presidente Lula, condenado no Superior Tribunal de Justiça a mais de 8 anos pelo caso do tríplex do Guarujá. O ex-ministro da Casa Civil de Lula, José Dirceu, condenado a 30 anos por corrupção e lavagem de dinheiro, também foi solto.

E, propriamente, o que significa a libertação de Lula? Significa que a temperatura política vai subir nos próximos meses, podendo chegar à ebulição. Mas há desvios nesta lógica pura. Enquanto alguns preveem o acirramento da polarização no País, seu discurso, quando ultrapassou os portões da Justiça Federal de Curitiba, foi de conciliação. Embora tenha saído atirando contra o MP (Ministério Público Federal) e a PF (Polícia Federal), a faceta “Lulinha Paz e Amor” ressurgiu: “Saio daqui sem ódio. Aos 74 anos, meu coração só tem espaço para o amor, porque o amor vai vencer nesse país.” Enquanto a militância aplaudia, a oposição aumentava o tom nas redes achando que ele não deverá superdimensionar o amor, mas o ódio.

A frase de efeito sobre o amor pode ser mero artifício político, coisa de “macaco velho”, mas só o tempo dirá se ele vai atuar contra ou favor da reconstrução do País no momento em que dois adversários fortes estão de novo em campo, embora em situações desiguais. Jair Bolsonaro é o presidente eleito por mais de 57 milhões de votos. Lula continua um “ficha suja”, condição que só muda se o STF anular a decisão de Sérgio Moro sobre a condenação pelo caso do tríplex.

Por ora, Lula não poderá concorrer a nada, mas já manifestou seu desejo de morar no nordeste, onde vive a maior parte de seu eleitorado. É de lá que o filho de Garanhuns (PE) deverá articular seus próximos passos em torno da conciliação nacional ou do “sangue dos olhos.”

A maturidade política costuma ensinar que nem tudo se resolve com ódio e grandes lideranças só se firmam com a sabedoria da reconciliação. No momento, tudo ainda é um enigma, mas é fato que a configuração política mudou. Milhões de brasileiros agora vão acompanhar um campeonato que terá como consequência o julgamento da própria decisão do STF como um acerto ou um erro histórico.

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