O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) marcou para os dias 16 e 21 de maio o julgamento que pode cassar o mandato do senador Sergio Moro (União Brasil), acusado de cometer abuso de poder econômico em 2022, quando inicialmente foi pré-candidato à Presidência da República e depois ao Senado. O TRE-PR (Tribunal Regional Eleitoral do Paraná) rejeitou a cassação, mas o PL e o PT, autores do pedido à Justiça, entraram com recursos.

A advogada eleitoral Fernanda Viotto explica que a legislação prevê três tipos de abuso de poder que podem acontecer na pré-campanha e na campanha: o econômico, o político e o midiático.

“O abuso de poder econômico é a utilização excessiva de recursos durante ou antes da campanha. O problema desse abuso é que ele acaba afetando a normalidade das eleições e desequilibrando a disputa eleitoral”, explica Viotto, que pontua que há dificuldade em comprovar a irregularidade.

O problema é que não existe uma definição de qual é o gasto máximo permitido para o período das pré-candidaturas, uma vez que a legislação apenas autoriza gastos moderados para um candidato médio, afirma a advogada. E a Justiça Eleitoral só deve estabelecer o teto de gastos para a campanha deste ano em julho.

“Os pré-candidatos precisam gastar dinheiro na pré-campanha. E qual é o teto? Vou dizer que, no meu entendimento e de alguns juristas, um gasto moderado seria em torno de 10% a 20% do teto da campanha, só que já estamos em pré-campanha e ainda não temos a portaria dizendo qual é o teto de gastos para 2024”, afirma. “É importante lembrar que as campanhas eleitorais duravam 90 dias e hoje elas são de 45 a 50 dias. Então, o trabalho realizado na pré-campanha é extremamente importante para dar viabilidade para aquele candidato.”

Com isso, o caso de Moro volta à tona. Viotto explica que PT e PL querem que a Justiça Eleitoral some os gastos da pré-campanha para presidente e para senador, o que faria com que o valor extrapolasse um gasto moderado para o Senado.

“Só que o Sergio Moro, quando era pré-candidato a presidente, era pré-candidato de fato, não era para inglês ver, e acreditava estar fazendo uma pré-candidatura a presidente que tem um teto muito maior”, ressaltando que, caso o TSE decida pela cassação, um “perigoso precedente” pode ser aberto, com impacto inclusive nas disputas municipais.

“Muitos pré-candidatos tentam se viabilizar durante a pré-campanha para se tornarem candidatos nas convenções partidárias. Às vezes, por diversos fatores, esse pré-candidato não consegue e aí ele acaba tendo que aceitar, em vez de sair a prefeito, sair a vereador”, afirma Viotto. “O caso do Moro traria um precedente perigoso para esse pré-candidato."

O entendimento da advogada é que essa lacuna na legislação também traz desafios para a Justiça Eleitoral, já que não é simples caracterizar o abuso de poder econômico. Em 2018, a senadora Selma Arruda, do Mato Grosso, perdeu o mandato após ser acusada de abuso de poder econômico e caixa dois. Ela teria recebido um empréstimo de R$ 1,5 milhão - não declarado à Justiça Eleitoral - e utilizado o valor para contratação de pesquisas e marketing.

Um caso mais recente é do senador Jorge Seif, de Santa Catarina, que também foi absolvido no TRE-SC e vai enfrentar julgamento no TSE. A acusação é de que o senador teria sido beneficiado pelo apoio do dono da Havan, Luciano Hang, e pelo presidente do Sindicato das Indústrias de Calçados de São João Batista (SC), Almir Manoel Atanazio dos Santos, durante a eleição de 2022, o que teria, em tese, causado um desequilíbrio na disputa eleitoral.

OUTROS TIPOS

Além do desequilíbrio causado pelos gastos excessivos, a legislação ainda prevê outros dois tipos de abuso de poder: o político e o midiático. O primeiro acontece quando a máquina estatal é utilizada em torno de projetos eleitorais ainda na pré-campanha.

“É quando, por exemplo, alguém que é detentor do poder, na órbita do Executivo ou do Legislativo, se valendo da sua condição, age com abuso de autoridade, prejudicando a liberdade do voto e favorecendo algum candidato do seu grupo”, explica Viotto.

Já o midiático acontece quando um pré-candidato tem uma exposição massiva em algum meio de comunicação, seja de forma positiva ou negativa, em detrimento a outros pré-candidatos.

“É difícil configurar essa exposição massiva porque hoje os pré-candidatos têm a possibilidade de participar de entrevistas em rádios, televisões, em lives. O que a Justiça Eleitoral se preocupa é se ele tem uma participação em uma rádio, em uma TV que ninguém sabe e ele fica de uma forma excessiva participando muito mais que os outros”, reforça.

Viotto explica que, apesar de a legislação prever três formas típicas de abuso de poder, ainda se discute a possibilidade de haver essa irregularidade no aspecto da religião, que ocorreria quando um pré-candidato tem uma exposição desequilibrada em um determinado espaço religioso. Novamente, o desafio é a caracterização do ato.

“Não é simples. Na maioria dos casos que eu vi houve absolvição. Houve apenas o entendimento que se tratava de liberdade de expressão do fiel, do pastor ou do padre”, explica a advogada. “Para configurar o abuso de poder religioso, tem que haver ameaça ao fiel, assédio moral, pedido de voto explícito para aquele candidato.”

A especialista vai participar do Compol (Congresso de Comunicação e Política e Institucional), em Londrina, no dia 22 de maio, mediando os painéis “Abusos de poder na pré-campanha” e “Os desafios da atuação da Justiça Eleitoral nas eleições 2024”.

***

WhatsApp pode contribuir para conexão do eleitor com projeto político, diz especialista

O uso das redes sociais nas campanhas eleitorais não é exatamente uma novidade. Mas a presença digital dos candidatos demanda estratégia e pode ser utilizada para o combate às notícias falsas, que vêm dando dor de cabeça para a Justiça Eleitoral há vários anos. Não à toa, o TRE-PR (Tribunal Regional Eleitoral do Paraná), por exemplo, desenvolveu ferramentas como o Gralha Confere para verificar informações duvidosas sobre o processo eleitoral.

A especialista em mobilização digital e construção de comunidades Luiza Borges, que participou da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2022, ressalta à FOLHA a importância do WhatsApp como uma ferramenta para gerar conexão do eleitor com o candidato e o projeto político.

“Se você não se posiciona no WhatsApp, não tem um canal no WhatsApp, você fica muito refém do envio de fake news, por exemplo, porque a pessoa não vai ter onde procurar a resposta certa”, diz a especialista, que lembra que a rede social, muito popular no Brasil, é utilizada para contato com familiares, amigos e colegas de trabalho. “Normalmente, é uma ferramenta que as pessoas confiam muito porque associam a essas pessoas.”

Em meio à disputa eleitoral, Borges avalia que, além de ser uma ferramenta para combater as notícias falsas, o WhatsApp também pode ser usado para a construção de uma rede de contatos.

“É uma construção ativa de pessoas que estão ali te acompanhando, que estão entendendo seus projetos, estão acompanhando suas entregas para a cidade e estão participando, construindo uma comunidade, um grupo de apoiadores. Essas pessoas vão confiar em você e, se acontecer uma fake news, antes delas divulgarem e acreditarem, vão procurar saber se é verdade ou não”, acrescenta.

Um exemplo desse uso foi colocado em prática durante a última eleição presidencial. Borges conta que o movimento “Evangélicos com Lula”, além de ser um canal receptivo, trabalhou com conteúdo para o público religioso, trouxe questões de Lula para os evangélicos e foi um espaço de diálogo.

“Essa sensação de pertencimento, de não estar sozinho, reforça as pessoas para que elas possam garantir seu direito de votar em quem elas acreditam. Os grupos são muito importantes para criar esse senso de comunidade e pertencimento, que faz muita diferença nessa força do público crescer e se apoiar”, acrescenta.

Questionada se já há uma maturidade para o uso da ferramenta nas eleições, Borges é enfática ao dizer que ainda “pouca gente hoje sabe como fazer, como organizar isso”. O atual momento ainda é de crescimento e experimentação com o WhatsApp.

“Eu acho que ainda tem pessoas muito resistentes em usar. Pessoas que colocam dentro do gabinete, mas não têm alguém responsável pelo WhatsApp. É sempre um estagiário ou recepcionista do gabinete, raramente os deputados ou vereadores se disponibilizam a parar e produzir um conteúdo exclusivo para o WhatsApp”, ressalta a especialista, que diz que a ferramenta não tem “juízo de valor”.

Borges, que também é fundadora do coletivo “Não é Não”, que busca prevenir o assédio, vai participar do Compol (Congresso de Comunicação Política e Institucional), em Londrina, no dia 22 de maio. Ela vai falar sobre como viabilizar a mobilização digital para cidades pequenas, alternativas de eventos para captar contatos e criação de relações com potenciais eleitorais.