Nas manchetes dos jornais entre 2014 e 2018, a operação Lava Jato passou a sumir gradativamente dos noticiários quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência da República, em janeiro de 2018. Este processo culminou com o fim da força-tarefa no Ministério Público Federal (MPF) no Paraná, em fevereiro de 2021, mas os dois principais nomes da operação mantiveram força entre a direita brasileira: o ex-juiz Sergio Moro, que foi ministro da Justiça de Bolsonaro e se elegeu senador, e o ex-procurador Deltan Dallagnol, deputado mais votado no Estado no ano passado, que teve o mandato cassado no último dia 16.

A cassação foi um duro golpe para os apoiadores das carreiras políticas dos lava-jatistas, que também temem pelo futuro de Sergio Moro. O senador pelo União Brasil corre o risco de ter o mandato cassado a partir de uma ação movida pelo PL, o partido de Bolsonaro. Moro é acusado pelo PL de ter usado caixa dois, já que fez campanha a presidente pelo Podemos antes de disputar o Senado pelo União Brasil. Com isso, teria ultrapassado o teto de gastos da eleição para senador. A ação será julgada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Paraná e poderá terminar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O senador nega qualquer irregularidade nas contas.

Depois da cassação, Dallagnol tem tentado unir setores da direita contra o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem atribui a perda de seu mandato. Entre os possíveis aliados estão o Partido Novo e o Movimento Brasil Livre (MBL). Nesta sexta-feira (28), o ex-chefe da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal (MPF) no Paraná compartilhou em sua conta no twitter um vídeo em que diz que é preciso “unir a direita”. "Vejo isso no Novo, vejo isso no MBL e vejo isso nos deputados bolsonaristas, todos dispostos a se unirem por um bem maior”, afirmou.

No dia 17, ele fez um discurso em Brasília ao lado de deputados bolsonaristas como Marcel van Hattem (Novo-RS), Juliana Zanatta (PL-SC) e Bia Kicis (PL-DF), além do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente. Na última terça-feira, no entanto, Dallagnol não obteve apoio de membros da Mesa Diretora da Câmara para tentar barrar sua cassação na Casa.

RESISTÊNCIA

Além disso, setores do bolsonarismo rechaçam a Lava Jato desde que Sergio Moro deixou o governo Bolsonaro, em abril de 2020, acusando o ex-presidente de tentar interferir na Polícia Federal. Os bolsonaristas citam ainda uma declaração tornada pública durante a série Vaza Jato, que mostrou conversas dos procuradores da operação no aplicativo de mensagens Telegram. Nela, uma procuradora disse que a Lava Jato precisava se “desvincular do Bozo”, em referência ao então presidente. “Temos que entender que a FT (força tarefa) ajudou a eleger Bozo, e que, se ele atropelar a democracia, a LJ (Lava Jato) será lembrada como apoiadora”.

FORÇA DA DIREITA

Cientista política e professora universitária, Karolina Roeder lembra que a direita permanece forte na Câmara dos Deputados, apesar da derrota parcial dos lava-jatistas, que poderão fazer alianças eventuais. “A cassação do Dallagnol representa uma derrota aos políticos lava-jatistas e também ao Podemos, que perdeu uma vaga de deputado federal no Paraná e não conseguiu fazer nenhum suplente. Contudo, a direita segue forte na Câmara dos Deputados, embora ela não seja unificada e homogênea”, avalia.

Para a cientista política, pode ter faltado experiência política ao ex-procurador. “Me parece que falta traquejo político ao Dallagnol, que perdeu as três tentativas de notificação da Corregedoria da Câmara, o que permitiria a abertura do prazo para que ele apresentasse a sua defesa”, afirma Karolina Roeder. “A falta de articulação política e de atributos como negociação e diálogo, e o seu personalismo em excesso, podem afastar o deputado cassado de alguma absolvição via Congresso. Isso denota a pouca organização do Dallagnol por vias tradicionais, como por meio de partidos políticos ou de grupos políticos”. Ela analisa que o capital político do lava-jatista tende a migrar. “Inelegível, a continuidade de seu capital só poderia vir com a inserção política de alguém próximo a ele, como um parente, como fez o Sergio Moro”.

MOVIMENTO PERSISTE

Para o deputado estadual Arilson Chiorato, presidente do PT no Paraná, o lava-jatismo é maior que suas duas principais figuras. "Claro que Deltan e Moro são as cabeças do movimento. Ambos cassados diminuem muito o poder eleitoral e político do lava-jatismo, mas o movimento ainda vai persistir, assim como Bolsonaro, que perdeu a eleição nas urnas, mas o bolsonarismo continua vivo”, comenta.

Chiorato diz ver semelhanças entre lava-jatismo e bolsonarismo, mas aponta que os lava-jatistas têm uma atuação no Judiciário. “A principal diferença entre as duas correntes mora no ativismo político do Judiciário. Outro ponto importante do lava-jatismo é a justiça do espetáculo, que promove, com vazamentos de informações parciais para a imprensa, o julgamento público, sem provas e sem direito de ampla defesa. O bolsonarismo, como o lava-jatismo, é movido pelo antipetismo”.

Vitória na Justiça

Depois da derrota no campo político, os lava-jatistas tiveram uma vitória na Justiça na semana passada. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região afastou o juiz Eduardo Appio, que assumiu os processos da Lava Jato em fevereiro deste ano. Chamado de “juiz militante” por Dallagnol, Appio ouviu em março o depoimento do advogado Rodrigo Tacla Duran, que chegou a ter a prisão decretada por Sergio Moro. Em seu depoimento, Tacla envolveu Moro e Dallagnol em um suposto caso de extorsão. O depoimento foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), por envolver pessoas com foro privilegiado.

Sede do TRF-4, em Porto Alegre:  tribunal afastou Eduardo Appio do comando da 13ª Vara Federal em Curitiba, responsável pela Lava Jato
Sede do TRF-4, em Porto Alegre: tribunal afastou Eduardo Appio do comando da 13ª Vara Federal em Curitiba, responsável pela Lava Jato | Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4

Segundo levantamento da Justiça Federal no Paraná, feito em dezembro do ano passado, atualmente há 32 processos da Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba. Entre os denunciados estão Tacla Duran, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque e a doleira Nelma Kodama.

Appio acabou afastado por supostamente ter feito uma ligação anônima para o filho do desembargador Marcelo Malucelli, do TRF-4. No dia 11 de abril, depois do depoimento de Tacla Duran, Marcelo Malucelli restabeleceu a prisão do advogado (que vive na Espanha). Depois que veio a público a informação de que o filho do desembargador, o advogado João Malucelli, foi sócio de Moro, Marcelo Malucelli pediu afastamento dos processos relacionados à Lava Jato. Na suposta ligação, a pessoa apontada como Appio tenta obter a informação de que João é realmente filho do desembargador.

Quem assumiu a 13ª Vara Federal com o afastamento de Appio foi a juíza Gabriela Hardt, que chegou a substituir Moro quando ele deixou a magistratura. Gabriela Hardt condenou Lula no processo relativo ao sítio de Atibaia (SP), que foi anulado pelo STF. A juíza, entretanto, já teria pedido remoção para a Justiça Federal de Santa Catarina.

AFASTAMENTO CAUTELAR

O afastamento de Appio causou polêmica no meio jurídico. Segundo a advogada Juliana Bertholdi, especialista em Direito Público e Direito Eleitoral, há a possibilidade de um juiz ser afastado quando há um processo contra ele, o que pode ocorrer por iniciativa do próprio Tribunal (no caso o TRF-4). “(No caso de Appio) há a suspeita de que o magistrado tenha se utilizado de seus acessos privilegiados aos sistemas da Justiça Federal para obter os subsídios necessários à realização da aventada ameaça, notadamente, ‘acesso a informações restritas (número de telefone de advogado)’, daí o fundamento central da suspensão de seus privilégios e recolhimento de aparelhos eletrônicos”, afirma.

Appio tem o prazo de 15 dias para apresentar sua defesa. “O afastamento é de natureza cautelar e pode haver o retorno após o decurso do prazo, caso não seja renovado”, explica Juliana Bertholdi. “Existem ferramentas no Direito que poderiam buscar a sua reintegração, mas, em geral, o Judiciário não costuma se imiscuir neste tipo de decisão administrativa dos tribunais. Do processo administrativo poderá sobrevir a sua absolvição ou sua condenação, com penas de suspensão e até mesmo sua aposentadoria compulsória”.

DELTAN DALLAGNOL CITA PERSEGUIÇÃO POLÍTICA

A reportagem da Folha entrou em contato com a assessoria de Deltan Dallagnol, mas foi informada que ele só se posicionaria por meio de uma publicação no Twitter. Nela, o ex-procurador chama Eduardo Appio de “juiz militante” e afirma que o magistrado foi o autor da ligação, mesmo com o processo ainda em curso. Questionada sobre a afirmação de que foi realmente Appio quem fez a ligação, apesar de o juiz ainda não ter apresentado sua defesa e de o caso estar inconcluso, a assessoria de Dallagnol não respondeu.

Dallagnol tem contestado a decisão do TSE que cassou seu mandato, o que tem chamado de “perseguição”. Ele foi cassado por ter pedido exoneração do MPF, em novembro de 2021, quando respondia a 15 procedimentos para apurar possíveis irregularidades durante sua atuação. A Lei da Ficha Limpa torna inelegíveis por oito anos membros do MPF “que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar”.

Dallagnol chegou a acusar o relator de seu processo na corte, ministro Benedito Gonçalves. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, publicada no dia 23, Dallagnol disse que Gonçalves recomendou sua cassação com o objetivo de “fortalecer a sua candidatura para uma vaga no STF”. Questionada sobre o motivo da cassação, a assessoria de Dallagnol não respondeu até o fechamento desta matéria. O ex-deputado também não fez comentários sobre seu futuro político.