Brasília - O ex-ministro Anderson Torres afirmou à CPI do 8 de janeiro nesta terça-feira (8) que a minuta golpista encontrada em sua casa é "fantasiosa" e que não sabe quem redigiu o texto porque recebia documentos de "diversas fontes".

O documento de três páginas foi encontrado no armário da casa dele durante busca e apreensão feita pela Polícia Federal em janeiro. A proposta de decreto dava a Jair Bolsonaro (PL) o poder de instaurar estado de defesa na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

"É fantasioso isso aí. Jamais saiu da minha casa, não conversei sobre isso com ninguém, e é um documento que estava pronto para ir ao lixo para descarte", afirmou o ex-ministro da Justiça sobre a minuta, repetindo a versão dada à PF em depoimento.

Torres afirmou ainda à CPI que houve "falha grave" na execução do protocolo de ações definido pela Secretaria da Segurança Pública dois dias antes dos ataques, em 6 janeiro, e que só viajou para os Estados Unidos depois de enviar o plano a todos os envolvidos.

A Secretaria de Segurança do Distrito Federal, porém, deixou de fora da reunião o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e o CMP (Comando Militar do Planalto) - responsáveis pela segurança do Palácio do Planalto. Torres era o então secretário da Segurança do DF.

"Se o protocolo fosse seguido à risca, seríamos poupados dos lamentáveis atos do dia 8 de janeiro", disse à CPI, destacando que o protocolo previa, por exemplo, que os golpistas não chegassem até a Praça dos Três Poderes.

"Quando eu viajei, não havia informação de inteligência", disse Torres, ignorando que o próprio plano de ações foi elaborado depois que a secretaria detectou a ameaça de invasão de "órgãos públicos que representam os três Poderes".

Torres é um dos investigados no inquérito aberto no STF (Supremo Tribunal Federal) para apurar possíveis autoridades omissas nos ataques em Brasília. Como estava no exterior no dia dos ataques, ele foi exonerado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) em 8 de janeiro e preso dias depois quando retornou ao Brasil.

O ex-ministro compareceu à CPI de tornozeleira eletrônica, uma das condições impostas pelo ministro Alexandre de Moraes em maio passado para que deixasse o Batalhão da Polícia Militar e fosse para prisão domiciliar.

O ex-ministro da Justiça foi um dos principais apoiadores das investidas antidemocráticas de Bolsonaro quando era ministro da Justiça —incluindo, além da minuta golpista, o ataque às urnas eletrônicas e a atuação da Polícia Rodoviária Federal.

Sobre a live de 2021 em que Bolsonaro atacou as urnas eletrônicas, o delegado disse que foi "convocado" pelo ex-presidente, e que sua "participação se deu nos minutos finais", lendo um documento da PF.

Torres também tentou se defender sobre a suspeita de que, sob seu comando, a PRF tentou atrapalhar a chegada de eleitores de Lula às urnas durante o segundo turno das eleições.

Ele disse que a planilha sobre os municípios em que Lula e Bolsonaro tinham sido mais bem votados foi elaborada pelo Ministério da Justiça para tentar coibir crimes eleitorais.

O levantamento foi feito pela ex-diretora de inteligência do Ministério da Justiça Marília Alencar, que acompanhou Torres de volta à Secretaria de Segurança do DF após a derrota de Bolsonaro. Ela era responsável pela inteligência da secretaria em 8 de janeiro.

À CPI o ex-ministro e ex-secretário também disse que "nunca houve omissão" em relação ao acampamento montado em frente ao quartel-general do Exército.

Como revelou a Folha de S.Paulo, no entanto, relatório elaborado pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) alertou sobre a presença de um grupo extremista de militares da reserva. As informações foram entregues ao Ministério da Justiça em 27 de dezembro de 2022 —chefiado por Torres na data.

Alexandre de Moraes decidiu que o ex-ministro deveria comparecer à CPI na condição de testemunha, mas poderia ficar em silêncio para não produzir provas contra si mesmo.

Na decisão, Moraes também proibiu Torres de ter qualquer contato pessoal com os senadores Marcos do Val (Podemos-ES) e Flávio Bolsonaro (PL-RJ) "considerando a evidente conexão dos fatos em apuração e as investigações das quais ambos fazem parte".

Durante o depoimento, os ex-ministros de Bolsonaro Rogério Marinho (PL-RN), Marcos Pontes (PL-SP) e Sergio Moro (União-PR), que antecedeu Torres no Ministério da Justiça, foram à mesa onde ele estava sentado para cumprimentá-lo. A ex-ministra Damares Alves (Republicanos-DF) pediu desculpas por não tê-lo visitado na prisão.

Relatora da CPI do 8/1 vai pedir acareação entre Torres e delegado da PF

Brasília - A relatora da CPI do 8 de janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), disse que vai pedir uma acareação entre o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-superintendente da Polícia Federal na Bahia Leandro Almada.

Os dois se encontraram cinco dias antes do segundo turno das eleições presidenciais e deram versões diferentes sobre a reunião.

Em depoimento à PF sobre a suspeita de que a PRF (Polícia Rodoviária Federal) tenha agido para impedir a chegada de eleitores petistas às urnas, Almada afirmou que Torres pediu para que a PF também participasse das blitze.

Já Torres disse à comissão nesta terça-feira (8) que foi à Bahia para visitar a reforma da superintendência da PF a convite do então diretor-geral da corporação, Márcio Nunes.

Segundo ele, as eleições foram discutidas de maneira lateral porque Almada relatou as dificuldades enfrentadas pela PF para cuidar de todos os municípios baianos durante o pleito.

"Nós conversamos também que, da mesma forma que no Rio de Janeiro, na Bahia circulavam vídeos pela Internet onde uma suposta organização criminosa dizia que tinha o controle sobre um determinado número de eleitores", declarou o ex-ministro da Justiça.

"Ele [Almada] também disse que estava apurando isso, disse que o próprio presidente do TRE [Tribunal Regional Eleitoral] da Bahia havia pedido isso para ele também. Enfim, nós conversamos sobre isso, visitamos a obra e voltamos para Brasília."

Eliziane reforçou que Almada deixou claro em seu depoimento que a reunião com Torres e Nunes, agendada em cima da hora, "não foi apenas uma visita a órgãos em construção da Polícia Federal".

"Quando houve a reunião na Bahia e o ponto específico daquela reunião relatado pelo Almada no depoimento à Polícia Federal é de que foi o debate acerca dos pontos de votação, sobretudo os pontos onde o então candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva teria proeminência maior de votos."

Questionado pela relatora durante o depoimento sobre a possibilidade de acareação, Torres disse que não teria "problema" enfrentar acareação com ninguém.

"Nós não fizemos isso, senadora [tentamos interferir no segundo tuno]. Não houve uma orientação para a Polícia Federal deixar de fazer o trabalho dela. Não houve nada nesse sentido, principalmente uma determinação. Não houve, não houve", afirmou.